quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O CLUBE DO IMPERADOR

1.Com base no desenrolar da história do filme, comente o significado do lema “o fim depende do início” enfatizado pelo colégio St. Benedict's.
2. Em que momento e por que o professor William Hundert usou a frase "A juventude envelhece, a imaturidade é superada, a ignorância pode ser educada e a embriaguez passa, mas a estupidez dura para sempre” (Aristófanes).
3. O fato de Sedgewick Bell ser um dos três finalistas da competição “Julio Cesar” contribuiu para mudança de seu caráter?Será que o homem é resultado do meio, ou fruto do que verdadeiramente escolhe ser? Justifique.
4. Que tipo de político o já adulto Sedgewick Bell pretendia ser? Qual a justificativa para sua imagem política?
5. Quais as diferenças no caráter de Sedgewick Bell e Martin Blythe apresentadas durante o filme?

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

TEXTO PARA O TRABALHO DO 3 ANO - LIVRO FILOSOFANDO - CAPÍTULO 35 A MORTE

Quem ensinasse os homens a morrer, os ensinaria a viver. (Montaigne) O que se tornou perfeito, inteiramente maduro, quer morrer. (Nietzsche) Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia. (Camus)
1. A morte como enigma A morte é o destino inexorável de todos os seres vivos. No entanto, só o homem tem consciência da própria morte. Por se perceber finito, o homem aguarda com ansiedade o que poderá ocorrer após a morte. A crença na imortalidade, na vida depois da morte, simboliza bem a recusa da própria destruição e o anseio de eternidade. Estudos a respeito dos primórdios da nossa civilização relacionam o aparecimento das primeiras angústias metafísicas do homem ao registro dos sinais de culto aos mortos. Portanto a morte se apresenta desde o início como uma fronteira que não significa apenas o fim da vida, mas o limiar de outra realidade instigante porque ininteligível, além de atemorizadora. A morte daqueles que amamos e a iminência da nossa própria morte estimula a crença a respeito da imortalidade. Segundo Jaspers,"existe algo em nós que não se pode crer suscetível de destruição". Por isso é inevitável que desde o início da cultura humana o recurso à fé religiosa tenha aplacado o temor diante do desconhecido. Através dos tempos, a consciência religiosa tem oferecido um conjunto de convicções que orientam o comportamento humano diante do mistério da morte: quer seja pelos rituais de passagem dos primitivos quer seja nas religiões mais elaboradas, pelos preceitos do viver terreno para garantir melhor destino à alma. Por isso, a angústia da morte tem levado à crença na imortalidade e na aceitação do sobrenatural, do sagrado, do divino.
2. As mortes simbólicas O homem não tem, contudo, consciência apenas da morte enquanto fim da sua vida. O conceito de finitude o acompanha em tudo que faz: é significativa a imagem mítica do deus Cronos (Tempo) devorando os próprios filhos. A morte, como clímax de um processo, é antecedida por diversas formas de "morte" que permeiam o tempo todo a vida humana. O próprio nascimento é a primeira morte, no sentido de ser a primeira perda, a primeira separação. Rompido o cordão umbilical, a antiga e cálida simbiose do feto no útero materno é substituída pelo enfrentamento do novo ambiente. A MORTE A oposição entre o velho e o novo repete indefinidamente a primeira ruptura e explica a angústia do homem diante do seu próprio dilaceramento interno: ao mesmo tempo que anseia pelo novo, teme abandonar o conforto e a segurança da estrutura antiga a que já se habituou. Os heróis, os santos, os artistas, os revolucionários são sempre os que se tornam capazes de enfrentar o desafio da morte, tanto no sentido literal como no simbólico, por serem capazes de construir o novo a partir da superação da velha ordem.
3. A filosofia e a morte No diálogo Fedon Platão descreve os momentos finais da "ida de Sócrates antes de sua execução, quando discute com os discípulos a respeito da ligação entre corpo e alma. Sendo o corpo um estorvo para a alma, a serenidade do sábio diante da morte é o reconhecimento de que a separação significa a libertação do espírito. No decorrer da história da filosofia, muitas vezes os pensadores trataram explicitamente a respeito da morte e da imortalidade da alma, mas essa questão está na raiz de toda filosofia e, mesmo quando não se discute diretamente sobre a morte, ela se situ a no horizonte de toda reflexão filosófica. É nesse sentido que Platão afirma ser a filosofia uma meditação da morte, e Montaigne diz que "filosofar é aprender a morrer". Pois se a filosofia é uma das formas da transcendência humana, pela qual refletimos a respeito de nossa existência e destino, a discussão sobre a morte não lhe pode ser estranha. Segundo Heidegger (ver Capitulo 31 - O existencialismo), o ser do homem como possibilidade, como projeto, o introduz na temporalidade. Isso não significa apenas que o homem tem um passado e um futuro e que os momentos se sucedem passivamente uns aos outros; significa que o futuro se revela como aquilo para o qual a existência é projetada e que o passado é aquilo que a existência transcende. O existir humano consiste no lançar-se continuo às possibilidades, entre as quais se encontra justamente a situação-limite representada pela morte, a qual possibilita o olhar crítico sobre o cotidiano. E nesse sentido que podemos considerar o homem como um "ser-para-a-morte". Para Heidegger, só o homem autêntico enfrenta a angústia e assume a construção da sua vida. O homem inautêntico foge da angústia, refugia-se na impessoalidade, nega a transcendência e repete os gestos de "todo o mundo" nos atos cotidianos. No mundo massificado do homem inautêntico, até a morte é banalizada, e dela se fala como se fosse um acontecimento genérico, longínquo e impalpável. A impessoalidade tranquiliza e aliena o homem, confortavelmente instalado num universo sem indagações. Há a recusa de refletir sobre a morte como um acontecimento que nos atinge pessoalmente. Sartre, referindo-se à sua infância em As palavras, diz: "A morte era a minha vertigem porque eu não amava viver: é o que explica o terror que ela me inspirava. (...) Quanto mais absurda a vida, menos suportável é a morte". Na teoria sartriana, ao contrário da de Heidegger, a consciência da morte retira todo significado à vida, pois a morte é a" nadificação" dos nossos projetos, a certeza de que um nada total nos espera . E conclui pelo absurdo da morte e, simultaneamente, da vida, que é uma "paixão inútil". Mas seja a morte considerada, como em Heidegger, algo que dá sentido à vida; ou, como em Sartre, a dimensão do absurdo, o que nos intriga é a recusa que o homem contemporâneo manifesta em abordar a temática do morrer humano. Em nenhum tempo a recusa do enfrentamento da própria fínitude foi tão visível. Muitas podem ser as explicações dadas por antropólogos, sociólogos, psicólogos que certamente fecundarão a matéria de reflexão dos filósofos. O que não podemos é deixar de pensar na morte: vejamos por que.
4. Aspecto histórico-social da morte As sociedades tribais e tradicionais Observando a história e os diversos povos, verificamos que o sentido da morte não é sempre o mesmo. A maneira pela qual um povo enfrenta a morte ou o significado que lhe dá refletem de certa forma o sentido que ele confere à vida. Os pólos antagônicos vida e morte não são excludentes, pois são formas dialéticas inseparáveis. No mundo tribal, a morte não é propriamente um problema. Ela não é enfocada do ponto de vista da morte de um indivíduo, mas se acha integrada nas práticas coletivas de culto aos mortos, aos ancestrais. Como vimos no Capítulo 6, o homem primitivo se acha de tal forma envolvido na comunidade que o seu ser, não tendo o centro em si mesmo, se faz por meio da participação no todo coletivo. Como o eu se afirma pelos outros, o existir do primitivo é essencialmente relacional, e a individualidade se encontra envolvida pela totalidade maior da comunidade. Por isso a morte não é percebida como dissolução, o morto apenas muda de estado e passa a pertencer à comunidade dos mortos, o que é viabilizado por "rituais de passagem" adequados à ocasião. "Vivos e mortos, totem e deuses, antepassados, participam de uma mesma realidade vital."' Não há nenhuma idéia de aniquilamento, e os mortos podem retornar ao mundo dos vivos durante o sono destes e por meio de aparições. Nas sociedades tradicionais, fortemente marcadas pela predominância da vida comunitária, ocorre algo semelhante. Como são sociedades relacionais, onde o indivíduo se encontra inserido numa totalidade mais importante que ele, há uma série de cerimônias e rituais que cercam o evento da morte. Isso não significa que seja fácil morrer (muito ao contrário), mas sim que a morte não é banalizada porque se acha inserida no cotidiano das pessoas como um evento importante. Evidentemente, essas cerimônias variam conforme os costumes, mas v amos relembrar algumas delas, típicas das pequenas cidades, até ainda na primeira metade do século XX. Os parentes, vizinhos e amigos acompanham a agonia do moribundo. Geralmente o doente permanece em casa, atendido pelo médico da família. As cerimônias são procedidas conforme a religião do morto: dependendo disso, chama-se o padre para dar a extrema unção, de preferência enquanto há lucidez, sem falsos escrúpulos de que o doente perceba a proximidade da morte. Ao morrer, geralmente seu caixão é colocado sobre a mesa da sala de jantar e diante dele passarão os parentes, conhecidos e até transeuntes ocasionais, velando -se o defunto noite adentro. As crianças circulam pelo ambiente. O morto é chorado e freqüentemente relembrado. A ausência é assinalada pelo luto, cuja duração varia conforme o tipo de parentesco; em algumas regiões, a viúva deve guardá-lo pelo resto da vida. Um conjunto de atos determinados socialmente - como visitas ao cemitério, missas para a alma do morto, flores, visitas de pês ames, cartas de condolências - ajuda os parentes a atravessar o período doloroso da perda e a reintegração à vida normal. A negação da morte Um fenômeno diferente vem ocorrendo há cerca de cinquenta anos, como resultado do processo de urbanização dos centros industrializados. A grande cidade cosmopolita impiedosamente destruiu os antigos laços, fragmentando a comunidade em núcleos cada vez menores e instaurando extremo individualismo. As pessoas vivem no ritmo acelerado imprimido pelo sistema de produção e não têm tempo para os velhos e os doentes. A medicina, cada vez mais especializada, se ocupa desses "marginais" da sociedade - porque reduzidos à improdutividade -, que são trasladados para hospitais "a fim de ser melhor assistidos". Se, por um lado, são tratados em ambientes assépticos e com técnicas sofisticadas que prolongam a vida, por outro lado não escapam à solidão e à impessoalidade do atendimento. Os enfermeiros e médicos são eficientes, mas o moribundo se encontra afastado da mão amiga, da atenção sem pressa nem profissionalismo. Quando morre, o velório geralmente é feito no necrotério, para o qual não se costuma levar crianças, as quais crescem à margem dessa realidade da vida: nunca veem um morto, nem um cemitério. *** O. Gusdorf, Tratado de metafísica, p. 99. O francês Philippe Ariês aborda essas questões no clássico História da morte no Ocidente. Nele se refere ao sociólogo Geoffrey Gorer, que escreveu um estudo com o título provocativo de "A pornografia da morte", no qual mostra como a morte se tornou um tabu,substituindo o sexo como principal interdito: "Antigamente dizia-se às crianças que se nascia dentro de um repolho, mas elas assistiam à grande cena das despedidas, à cabeceira do moribundo. Hoje, são iniciadas desde a mais tenra idade na fisiologia do amor, mas, quando não veem mais o avô e se surpreendem, alguém lhes diz que ele repousa num belo jardim por entre as flores"> A "obscenidade" em falar da morte se torna grave quando se t rata dos doentes terminais, ou seja, daqueles que não escaparão da morte próxima. É comum tal fato ser escamoteado: os parentes, com a cumplicidade dos médicos, escondem do paciente sua doença letal e o fim próximo. Nem diante da iminência da morte ousamos falar dela. A tentativa de ocultamento da morte talvez explique a sofisticação das funerárias americanas que "tomam conta do morto". Medard Boss, médico e psicanalista suíço, diz: "Nunca esquecerei minhas visitas aos "Funeral Homes" americanos, nos quais os defuntos são maquilados, um cigarro é colocado em suas bocas, e ao lado se tocam fitas gravadas com discursos que os falecidos pronunciaram outrora ". O antropólogo brasileiro Roberto da Matta também se refere ao fato de os mortos serem colocados em caixões acolchoados de cetim que lembram uma cama confortável: "O que seria tudo isto, senão um modo radical de livrar -se do morto, transformando-o em alguém que realmente dá a impressão de repousar?" Por que será que o homem contemporâneo escamoteia assim a morte? Talvez porque a dificuldade que ele sente para lidar com a morte esteja relacionada à sua incapacidade para lidar com a vida. O homem urbano, individualista, massacrado pelo sistema de produção, obrigado a desempenhar funções que não escolheu e num ritmo que não é o seu, acha -se muito distante daquilo que poderíamos considerar uma boa qualidade de vida. Independentemente do progresso técnico atingido, são altos os níveis de alienação humana no trabalho, no consumo, no lazer (ver Capítulo 2 - Trabalho e alienação). Mais ainda, a insensibilidade com relação à morte individual tem paralelo com a inconsciência referente ao destino do planeta. Pela primeira vez na história da humanidade a morte ultrapassa a dimensão do indivíduo e ameaça a sobrevivência de todos. Por isso, é preciso resgatar, no mundo atual, a consciência da morte, o que não deve ser entendido como a preocupação mórbida, doentia do homem que vive obcecado pela morte inevitável. Tal atitude seria pessimista e paralisante. Ao contrário, ao reconhecer a finitude da vida, reavaliamos nosso comportamento e escolhas, e podemos proceder a uma diferente priorização de valores. Por exemplo, se tomamos como valores absolutos o acúmu o de bens, a fama e o poder, a reflexão sobre a mortalidade torna ridículos esses anseios, privilegiando outros valores que nos dão maior dignidade. Essa mesma reflexão, no nível planetário, nos ajuda a questionar os falsos objetivos do progresso a qualquer custo. A consciência da morte nos ajuda a questionar não só se nossa vida é autêntica ou inautêntica, mas também se faz sentido o destino que os povos legaram para seus herdeiros.
Exercícios
1. "O problema da morte, em seu significado radical, não tem apenas conexão com o problema do aniquilamento ou da sobrevivência: consiste nele." (Julian Marias) Em que medida a citação acima revela a dimensão religiosa da morte?
2. "No fundo de nós mesmos, nós nos sentimos não-mortais". Comente a frase de Philippe Ariês, observando que ele não diz "imortais", mas "não-mortais". 3. Em que sentido a reflexão sobre a morte pode ser importante para a ética?
4. Qual é a principal diferença entre o enfrentamento da morte no mundo tribal, nas sociedades tradicionais e no mundo contemporâneo?
5. O que quer dizer, nas sociedades contemporâneas, o "tabu da morte"?
6. "... ninguém morre antes da hora, O tempo que perdeis não vos pertence mais do que o que p recedeu vosso nascimento, e não vos interessa". "Considerai em verdade que os séculos intermináveis ,já passados, são para vós como se não tivessem sido. Qualquer que seja a duração de vossa vida, ela é completa. Sua utilidade não reside na duração e sim no emprego que lhe dais. Há quem viveu muito e não viveu, Meditai sobre isso enquanto o podeis fazer, pois depende de vós, e não do número de anos, terdes vivido bastante. Imagináveis então nunca chegardes ao ponto para o qual vos dirigíeis? Haverá caminho que não tenha fim?" (Montaigne) Comente o significado do trecho dos Ensaios, de Montaigne, capítulo XX, intitulado "De como filosofar é aprender a morrer".

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

NÃO ME ABANDONE JAMAIS

Questões do filme: Não me abandone jamais
1.De que maneira a clonagem humana é abordada? Dois dos requisitos necessários para um ser com uma alma na filosofia de Tomás de Aquino são livre-arbítrio e a capacidade de amar. Isso se verifica nos personagens centrais? Justifique.
2.Como Ruth, Kathy e Tommy tomam conhecimento do que o destino os reserva?
3. Por qual motivo eles não escapam de seu "destino", mesmo quando tem a oportunidade para isso?
4. Havia um boato em Hailsham, que se dois doadores se apaixonassem profundamente, eles poderiam se beneficiar de algum tipo de “tempo a mais”. Isso se confirmou? Justifique.
5. Procurar entender o motivo de estarmos aqui, no mundo; pensar se vale a pena saber que temos um propósito; questionar o quanto é bom ou ruim ‘prever’ quando vamos morrer.Comente como o filme coloca essas questões metafísicas fundamentais.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Livre-arbítrio e responsabilidade humana - Corliss Lamont

A minha tese é a seguinte: a pessoa que está convencida que tem liberdade de escolha ou livre-arbítrio tem um maior sentido de responsabilidade do que a pessoa que pensa que o determinismo absoluto governa o universo e a vida humana. O determinismo no sentido clássico significa que todo o fluir da história, incluindo todas as escolhas humanas e as ações, estão completamente determinadas desde o início dos tempos. Quem quer que acredite que "o que tem que ser, será" pode tentar escapar à responsabilidade moral apesar de ter agido erradamente defendendo que tal estava predestinado por leis rígidas de causa e efeito. Mas se a livre escolha realmente existe na altura de escolher, os homens têm claramente responsabilidade moral por decidirem entre duas ou mais alternativas genuínas, e o álibi determinista não tem qualquer peso. Assim, o coração da nossa discussão radica na questão de saber se é verdade que temos livre escolha ou se é verdadeiro o determinismo universal. Tentarei resumir brevemente as razões principais que apontam para a existência de livre-arbítrio. Primeiro: há uma intuição vulgar imediata e poderosa, que é partilhada por virtualmente todos os seres humanos de que existe liberdade de escolha. Esta intuição parece-me tão forte como a sensação de prazer ou de dor; e a tentativa dos deterministas provarem que esta intuição é falsa é tão artificial como a pretensão […] de que a dor não é real. Claro que a existência desta intuição não prova por si a existência da liberdade de escolha, mas justamente por ser uma intuição tão forte, coloca o ônus da prova do lado dos deterministas, que têm que provar que se baseia numa ilusão. Segundo: podemos recusar o argumento determinista admitindo, ou até insistindo, que há uma grande quantidade de determinismo no mundo. O determinismo na forma de leis causais do tipo "se…então…" governa não só o funcionamento de inúmeros movimentos corporais como o funcionamento de grande parte do universo. Podemos estar contentes com o fato dos sistemas respiratório, digestivo, circulatório, e dos batimentos cardíacos, funcionarem deterministicamente — pelo menos até avariarem. O determinismo versus livre-arbítrio é uma falsa questão; o que nós sempre tivemos foi um determinismo e um livre-arbítrio relativos. O livre-arbítrio sempre esteve limitado pelo passado e por um conjunto vasto de leis causais do tipo "se…então…". Ao mesmo tempo, os seres humanos usam o livre-arbítrio para tirarem partido daquelas leis determinísticas que fazem parte da ciência e das máquinas que produziram. A maioria de nós guia carros, e somos nós e não estes quem decide quando e para onde vão. O determinismo usado de forma sábia e controlada — o que nem sempre se verifica — pode tornar-nos mais livres e felizes. Terceiro: o determinismo é algo relativo, não apenas porque os seres humanos têm liberdade de escolha, mas também porque a contingência e o acaso são um traço fundamental do cosmos. A contingência percebe-se melhor na intersecção de sequências de eventos independentes entre si sem qualquer conexão causal prévia. O meu exemplo favorito é o da colisão do transatlântico Titanic com um iceberg, a meio da noite de 14 de Abril de 1912. Foi um acidente terrível em que morreram mais de 1500 pessoas. A deriva do iceberg desde o norte e o percurso do Titanic de oeste a partir de Inglaterra representam claramente duas sequências causais de eventos independentes. Se, por hipótese, um grupo de especialistas tivesse sido capaz de identificar as duas sequências causais e assegurar que tal catástrofe estava predeterminada desde o momento em que o transatlântico deixou o porto de Southampton, ainda assim isso não perturbaria a minha teoria. A relação espaço-tempo do iceberg e do Titanic, desde que este iniciou a sua viagem, seria, em si, uma relação de contingência, já que não haveria qualquer causa relevante para a explicar. Como referi, a presença constante da contingência no mundo é igualmente provada pelo fato de todas as leis naturais assumirem a forma de sequências ou relações do tipo "se…, então…". O elemento se é obviamente condicional e demonstra a coexistência habitual da contingência com o determinismo. A atualidade da contingência nega a ideia de uma necessidade total e universal a operar em todo o universo. No que diz respeito as escolhas humanas, a contingência assegura que as alternativas de que temos experiência são indeterminadas relativamente ao ato de escolher, o que faz depois que uma delas seja determinada. A minha quarta razão é que o significado aceite de potencialidade, nomeadamente, de que todo o objeto e acontecimento no cosmos têm possibilidades plurais de comportamento, interação e desenvolvimento, deita por terra a tese determinista. Se quiseres realizar uma viagem de férias no próximo Verão, pensarás sem qualquer dúvida em inúmeros destinos possíveis antes de te decidires. O determinismo implica que isso não seja mais do que teatro, pois estás determinado escolher precisamente o destino que escolheste. Quando relacionamos o padrão causal com a ideia de potencialidade, verificamos que a causalidade mediada pela escolha livre pode ter o seu efeito apropriado na atualização de qualquer uma das diversas possibilidades existentes. Quinto: os processos normais do pensamento humano estão ligados à ideia de potencialidade tal como a descrevi, e do mesmo modo tendem a mostrar que a liberdade de escolha é real. Pensar envolve constantemente concepções gerais, universais ou abstratas sob as quais são classificados os diferentes particulares. No caso que discuti na minha quarta razão, "viagem de férias" era a concepção geral e os diferentes lugares que poderias visitar eram os particulares, as alternativas, as potencialidades, que alguém podia livremente escolher. Se de fato não houver liberdade de escolha, então a função do pensamento humano de resolver problemas torna-se supérflua e numa máscara de faz-de-conta. Sexto: é esclarecedor para o problema da liberdade de escolha perceber que apenas existe o presente, e que é sempre alguma atividade presente que dá origem ao passado, no mesmo sentido em que um esquiador deixa atrás de si um trilho na neve quando desce uma colina. Tudo o que existe — o vasto conjunto agregado de matéria inanimada, a imensa profusão de vida anterior, o ser humano em toda a sua diversidade — existe ou existem apenas como acontecimentos quando ocorrem neste instante exato, que é agora. O passado está morto e passado; existe apenas na medida em que se exprime nas estruturas e atividades presentes. A atividade do presente imediatamente anterior estabelece os fundamentos através dos quais opera o presente imediato. O que aconteceu no passado tanto cria limitações como possibilidades, que condicionam sempre o presente. Mas condicionar neste sentido não significa o mesmo que determinar; cada dia se desenvolve a partir de agora no seu próprio momento, atualizando novos padrões de existência, mantendo e destruindo outros. Portanto, quando um homem escolhe e age no presente não é inteiramente controlado pelo passado, mas parte da evolução interminável do poder cósmico. É um agente ativo e iniciador, que, montado na onda de um dado presente, delibera entre alternativas abertas para alcançar decisões relativamente às muitas e diversas fases da sua vida. A minha sétima razão é que a doutrina do determinismo universal e eterno se autorrefuta quando consideramos, por redução ao absurdo, todas as suas implicações. Se as nossas escolhas e ações de hoje estivessem determinadas ontem, então estariam igualmente determinadas antes de ontem, no dia do nosso nascimento, no dia do nascimento do nosso sistema solar e da terra há bilhões de anos. Considere-se então a consequência: para o determinismo, o chamado impulso irresistível que os sistemas jurídicos reconhecem quando julgam crimes cometidos por pessoas insanas, deve ser considerado com o mesmo vigor para as ações realizadas por pessoas sãs e virtuosas. Segundo a filosofia determinista, o homem bom sente um impulso irresistível para dizer a verdade, para ser bom para os animais e para expor a corrupção na política. Oito: são inúmeras as palavras que perdem o seu significado normal no novo dialeto do determinismo. Refiro-me a palavras como abstenção, proibição, moderação e remorso. Uma vez provada a verdade do determinismo, teríamos que rasurar grande parte dos dicionários existentes e redefinir uma grande quantidade de coisas. Por exemplo, que significado deveria ter proibição quando já está determinado que irás recusar o segundo cocktail de Martini? Em boa verdade, só se pode proibir quando se quer impedir alguém de fazer alguma coisa que esteja no seu alcance fazer. Mas segundo o determinismo não poderias aceitar o segundo cocktail por já estar predeterminado que dirás "Não". Não estou a dizer que a natureza deva conformar-se aos nossos usos linguísticos, mas os hábitos linguísticos dos seres humanos, que evoluíram ao longo da imensidão dos tempos, não podem ser negligenciados na análise do livre-arbítrio e do determinismo. Finalmente, não penso que o termo "responsabilidade moral" possa manter o seu significado tradicional, a não ser que exista liberdade de escolha. Segundo a perspectiva da ética, da lei e do direito criminal, é difícil entender como um determinista consistente possa ter um sentido de responsabilidade pessoal adequado relativamente ao desenvolvimento de padrões éticos decentes. Mas a questão permanecerá independentemente de terem sido ou de alguma vez poderem vir a ser deterministas consistentes, ou até do fato de o livre-arbítrio ser um traço inato e tão profundamente característico da natureza humana, como sugeriu Jean-Paul Sartre ao afirmar "Não somos livres para deixar de ser livres". (Retirado de "Freedom of the Will and Human Responsibility", in Pojman, Louis P. (2006), Philosophy: The Quest for Truth, 6.ª ed. Nova Iorque, Oxford University Press, pp. 367-368.)
Questões 1.Qual a tese defendida pelo autor e como é definido o determinismo? 2.Porque pode-se dizer que o determinismo e o livre arbítrio são relativos? 3. O que o autor quer dizer com a expressão ”a presença constante da contingência no mundo é igualmente provada pelo fato de todas as leis naturais assumirem a forma de sequências ou relações do tipo "se…, então…"? 4.Porque o determinismo absoluto se autorrefuta? 5.Porque algumas palavras perdem o sentido no novo dialeto do determinismo?

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Texto: Mundo de Sofia - Aristóteles

Cara Sofia! Ficaste certamente espantada com a teoria das ideias de Platão. Não és a primeira. Não sei se aceitaste tudo com facilidade ou se fizeste alguns comentários críticos. Mas se fizeste comentários críticos, podes estar certa de que as mesmas objeções foram levantadas já por “Aristóteles” (384-322 a.C.). Ele foi durante vinte anos aluno na Academia de Platão. Aristóteles não era um ateniense. Era natural da Macedônia, mas foi para a Academia quando Platão tinha 61 anos. O pai era um médico reconhecido - ou seja, um cientista. Este pano de fundo já nos diz algo sobre o projeto filosófico de Aristóteles. Aquilo que o interessava acima de tudo era a natureza viva. Não foi apenas o último grande filósofo grego, foi também o primeiro grande biólogo da Europa. Se quisermos formular tudo de um modo um tanto exagerado, podemos dizer que Platão estava tão concentrado nas formas ou "ideias" eternas que mal reparava nas transformações da natureza. Aristóteles, pelo contrário, interessava-se precisamente pelas transformações – ou aquilo que nós hoje designamos por processos físicos. Se quisermos exagerar ainda mais, podemos dizer que Platão se afastava do mundo sensível e só distinguia passageiramente aquilo que vemos à nossa volta. (Ele queria sair da caverna! Queria olhar para o eterno mundo das ideias!). Aristóteles fazia exatamente o inverso: dirigia-se à natureza e estudava peixes e rãs, anêmonas e papoulas. Podes dizer que Platão usou apenas o seu entendimento; Aristóteles, por seu lado, usou também os sentidos. Até na sua maneira de escrever encontramos claras diferenças. Enquanto Platão era poeta e criador de mitos, os textos de Aristóteles são secos e pormenorizados como uma enciclopédia. Em compensação, na origem de muitas coisas acerca das quais ele escreve, há estudos naturalistas intensivos. Na Antiguidade são referidos mais de 170 títulos que Aristóteles terá escrito. Hoje, conservam-se 47 textos. Não se trata de livros acabados. A maior parte dos textos de Aristóteles são constituídos por apontamentos para as lições. Mesmo no tempo de Aristóteles, a filosofia era principalmente uma atividade oral. A importância de Aristóteles para a cultura europeia não reside apenas no fato de ele ter criado a linguagem técnica que ainda hoje as diversas ciências utilizam. Ele foi o grande sistemático que fundou e ordenou as diversas ciências. Como Aristóteles escreveu sobre todas as ciências, vou tratar apenas de algumas das áreas mais importantes. Dado que falei tanto de Platão, deves saber primeiro como é que Aristóteles argumenta contra a teoria das ideias de Platão. Depois, vamos ver como é que ele concebe a sua própria filosofia da natureza. Aristóteles recapitulou aquilo que os filósofos da natureza antes dele disseram. Vamos ver como é que ele ordena os nossos conceitos e funda a lógica como ciência. Por fim, vou falar ainda um pouco da visão de Aristóteles acerca do homem e da sociedade. Se aceitares estas condições, só precisamos arregaçar as mangas e começar. “Não há ideias inatas” Tal como os filósofos anteriores, também Platão queria encontrar algo eterno e imutável no meio de todas as transformações. Deste modo, encontrou as ideias perfeitas, que são superiores ao mundo sensível. Além disso, para Platão, estas ideias eram mais reais do que todos os fenômenos na natureza. Primeiro, vinha a ideia "cavalo" - em seguida, todos os cavalos do mundo sensível, que galopavam como cópias na parede de uma caverna. Logo, a ideia "galinha" veio antes da galinha e do ovo. Aristóteles achava que Platão tinha posto tudo às avessas. Estava de acordo com o seu professor em que o cavalo particular "flui", e que nenhum cavalo vive eternamente. Também estava de acordo em que a forma do cavalo é em si eterna e imutável. Mas a "ideia" cavalo é, para ele, apenas um conceito que nós homens formamos, depois de termos visto um determinado número de cavalos. Para Aristóteles, a "forma" cavalo consiste nas características do cavalo – diríamos hoje na “espécie” cavalo. Vou precisar: pela "forma" cavalo, Aristóteles designa aquilo que é comum a todos os cavalos. E neste caso, a imagem da forma do biscoito já não é válida, porque as formas existem independentemente do biscoito particular. Aristóteles não acreditava que essas formas, por assim dizer, existissem na sua própria prateleira na natureza. Para Aristóteles, as "formas" residem nas próprias coisas como qualidades específicas das coisas. Aristóteles também não concorda com Platão em que a ideia "galinha" precede a galinha. Aquilo a que Aristóteles chama a "forma" galinha, reside na forma das qualidades específicas de cada galinha - por exemplo, pôr ovos. Assim, a galinha em si e a "forma" galinha são tão inseparáveis como a alma e o corpo. Com isto, dissemos basicamente quase tudo acerca da crítica de Aristóteles à teoria das ideias de Platão. Mas deves notar que estamos a falar de uma mudança drástica no pensamento. Para Platão, o grau máximo de realidade é o que pensamos com a razão. Para Aristóteles, é igualmente evidente que o grau máximo de realidade é o que percebemos ou sentimos com os sentidos. Segundo Platão, aquilo que vemos à nossa volta na natureza é apenas reflexo de algo que existe no mundo das ideias - e consequentemente na alma do homem. Aristóteles dizia exatamente o contrário: aquilo que está na alma do homem é apenas reflexo dos objetos da natureza. O mundo real é a natureza, segundo Aristóteles, enquanto Platão fica preso a uma concepção mítica do mundo que confunde as representações do homem com o mundo real. Aristóteles aponta para o fato de que nada existe na consciência que não tenha existido primeiro nos sentidos. Platão poderia ter dito que não há nada na natureza que não tenha existido primeiro no mundo das ideias.Desta forma, Platão duplicou o número de coisas, segundo Aristóteles. Ele explicara o cavalo particular recorrendo à ideia "cavalo". Que tipo de explicação é esta, Sofia? Isto é, de onde vem a ideia "cavalo"? Existirá ainda um terceiro cavalo - do qual a ideia "cavalo" é por sua vez apenas uma cópia? Aristóteles defendia que tudo o que temos em pensamentos e em ideias chegou à nossa consciência através daquilo que vimos e ouvimos. Mas também temos uma razão inata. Temos uma faculdade inata de ordenar todas as impressões sensíveis em diferentes grupos e classes. Assim nascem conceitos como "pedra", "planta", "animal" e "homem". Assim surgem os conceitos "cavalo", "lagosta" e "canário". Aristóteles não negava que o homem tivesse uma razão inata. Muito pelo contrário: para Aristóteles, a razão é precisamente a característica mais importante do homem. Mas a nossa razão está completamente "vazia" enquanto não sentirmos nada. Logo, um homem não possui "ideias" inatas. “As formas são as qualidades das coisas, e a importância da causa final” Após ter esclarecido a sua posição em relação à teoria das ideias de Platão, Aristóteles afirma que a realidade é constituída por diversas coisas particulares que apresentam uma unidade de “forma” e “matéria”. A "matéria" é aquilo a partir do qual a coisa é feita, enquanto a "forma" caracteriza as qualidades particulares das coisas. Uma galinha esvoaça à tua frente, Sofia. A "forma" da galinha é precisamente o esvoaçar – assim como cacarejar e pôr ovos. Pela "forma" da galinha são, portanto, designadas as qualidades particulares da sua espécie - ou aquilo que a galinha faz. Quando a galinha morre e deixa de cacarejar, a "forma" da galinha também deixa de existir. A única coisa que permanece é a "matéria" da galinha (é bastante triste, Sofia!); mas já não é uma galinha. Como já afirmei, Aristóteles estava interessado nas transformações da natureza. Na matéria há sempre uma possibilidade de se atingir uma determinada forma. Podemos dizer que a matéria se esforça por realizar uma possibilidade em si inerente. Cada mudança na natureza é para Aristóteles uma transformação da matéria da “possibilidade” para a “realidade”. Eu vou explicar isto, Sofia. Vou contar uma história cômica. Era uma vez um escultor que estava a trabalhar num enorme bloco de granito. Todos os dias esculpia e talhava a pedra informe, e certo dia recebeu a visita de um jovem. - O que é que procuras? - perguntou o jovem. - Espera - disse o escultor. Passados alguns dias, o rapaz voltou e nessa altura, o escultor tinha esculpido um belo cavalo a partir do bloco de granito. O rapaz fixou emudecido o cavalo. Em seguida, voltou-se para o escultor e perguntou: - Como é que sabias que isso estava ali? Sim, como é que ele podia saber? De certo modo, o escultor tinha visto a forma do cavalo no bloco de granito, porque nesse bloco de granito estava inerente a possibilidade de se tornar cavalo. Aristóteles achava que em todas as coisas da natureza está inerente uma possibilidade de realizar uma forma determinada. Voltemos à questão da galinha e do ovo. Num ovo de galinha está inerente a possibilidade de se tornar galinha. Isto não significa que todos os ovos de galinha se tornem galinhas - inclusivamente há alguns que vão parar à mesa do café – da - manhã, sob a forma de ovo estrelado, omelete ou ovo mexido, sem realizarem a forma inerente ao ovo. Mas também é óbvio que um ovo de galinha nunca se pode converter em ganso. Essa possibilidade não reside no ovo de galinha. A forma de uma coisa indica tanto as suas possibilidades como as suas limitações. Quando Aristóteles fala de forma e de matéria não está a pensar apenas em organismos vivos. Tal como a "forma" da galinha é cacarejar, bater com as asas e pôr ovos, a "forma" da pedra é cair ao chão. Tal como a galinha não pode evitar cacarejar, também a pedra não pode evitar cair ao chão. Obviamente, podes levantar uma pedra e lançá-la ao ar, mas como a natureza da pedra é cair ao chão, não a podes lançar para a lua. (Se fizeres esta experiência, deves ser um pouco cautelosa, porque a pedra pode facilmente vingar-se. Ela quer regressar à terra tão rapidamente quanto possível - e ai daquele que estiver no seu caminho!). Antes de deixarmos este gênero de considerações, segundo as quais todas as coisas animadas e inanimadas têm uma forma que diz algo acerca da sua potencialidade, devo ainda acrescentar que Aristóteles tinha uma visão bastante importante sobre as relações de causalidade na natureza. Quando, no dia-a-dia, falamos de "causas" que provocam isto ou aquilo, referimo-nos ao modo como algo sucede. A janela parte-se porque o Pedro atirou uma pedra, um sapato forma-se porque o sapateiro cose algumas peças de couro. Mas Aristóteles achava que na natureza havia vários tipos de causa. É principalmente importante compreender o que é que ele entendia por causa final. No caso da janela partida também é naturalmente oportuno perguntar por que é que Pedro atirou a pedra. Perguntamos também qual era a sua intenção, qual era a sua finalidade. Não podem subsistir dúvidas de que uma intenção ou um fim têm um papel importante na produção de um sapato. Mas Aristóteles também tinha em vista a mesma causa final em alguns processos físicos na natureza. Vamos ficar-nos por um exemplo: Porque é que chove, Sofia? Com certeza já aprendeste na escola que chove porque o vapor de água das nuvens arrefece e se condensa em gotas de água que caem no solo devido à gravidade. Aristóteles teria concordado, mas acrescentando que apenas mencionaste três causas. A causa material é o fato de o vapor de água atual (as nuvens) estar presente quando o ar arrefeceu. A “causa eficiente” é o fato de o vapor de água arrefecer, e a “causa formal” é o fato de a "forma" ou natureza da água ser cair no solo. Se não tivesses dito mais nada, Aristóteles teria acrescentado que chove porque as plantas e os animais precisam da água da chuva para crescerem. Era o que ele designava por “causa final”. Como vês, Aristóteles atribuiu às gotas de água uma espécie de finalidade vital ou a "intenção". Nós diríamos ao contrário: as plantas crescem porque há umidade. Percebes esta diferença, Sofia? Aristóteles acreditava que em toda a natureza há uma finalidade. Chove para que as plantas cresçam, e as laranjas e as uvas crescem para que os homens as comam. Hoje, a ciência já não pensa assim. Dizemos que a alimentação e a umidade são condições para que os homens e os animais possam viver. Sem estas condições, nós não existiríamos. Mas não é intenção das laranjas ou da água alimentarem-nos. No que diz respeito à sua teoria das causas, podemos sentir-nos tentados a afirmar que Aristóteles se enganou, mas não nos vamos precipitar. Muitos homens acham que Deus criou o mundo para que homens e animais pudessem viver nele. Perante este cenário, pode-se também afirmar que a água corre nos rios porque os homens e os animais precisam de água para viver. Mas, nesse caso, falamos do fim ou da intenção de Deus. Não são as gotas de chuva ou a água dos rios que nos querem bem. “Lógica e a escala da natureza” A distinção entre "forma" e "matéria" também tem um papel importante na descrição que Aristóteles faz do modo como o homem conhece os objetos na natureza. Quando conhecemos algo, ordenamos as coisas em classes ou grupos distintos. Eu vejo um cavalo, depois vejo mais um cavalo - e em seguida mais um. Os cavalos não são totalmente idênticos, mas há algo que é comum a todos os cavalos e aquilo que é comum a todos os cavalos é a "forma" do cavalo. O que é diferente ou individual pertence à "matéria" do cavalo. Desta forma, os homens ordenam as coisas e colocam-nas em locais distintos. Colocamos as vacas no curral, os cavalos na cavalariça, os porcos na pocilga e as galinhas no galinheiro. O mesmo sucede quando Sofia Amundsen arruma o seu quarto. Põe os livros na estante, coloca os livros da escola na pasta e as revistas na gaveta da cômoda. Os vestidos são dobrados cuidadosamente - a roupa interior numa prateleira, as camisolas noutra e as meias numa gaveta. Repara que fazemos o mesmo nas nossas cabeças: separamos coisas que são feitas de pedra, de lã e de borracha. Distinguimos as coisas animadas das inanimadas, e subdividimos ulteriormente estas coisas em "plantas", "animais" e "homens". Estás a compreender, Sofia? Aristóteles queria fazer uma arrumação profunda no quarto da natureza. Procurou provar que todas as coisas na natureza pertencem a diversos grupos e subgrupos. (Hermes é um ser vivo, mais exatamente, um animal, mais exatamente, um vertebrado, mais exatamente, um mamífero, mais exatamente, um cão, mais exatamente, um labrador, mais exatamente, um labrador macho). Vai ao teu quarto, Sofia. Levanta um objeto qualquer do chão. Seja o que for que tu levantes, descobrirás que aquilo em que tocas pertence a uma ordem. No dia em que vês algo que não consegues classificar sofres um choque. Se, por exemplo, descobrisses uma pequena coisa acerca da qual não conseguias dizer com segurança se pertence ao reino vegetal, animal ou mineral, acho que não te atreverias a tocar-lhe. Falei de reino vegetal, reino animal e reino mineral. Estou a pensar naquele jogo em que um pobre coitado é enviado para o corredor enquanto os outros imaginam algo que ele deve adivinhar quando regressa à sala. Os outros decidem pensar no gato do vizinho “Tareco” que, nesse momento, está sentado no jardim. Em seguida, o pobre jogador entra de novo e começa a adivinhar. Os outros só podem responder "não" ou "sim". Se o jogador é um bom aristotélico - e nesse caso não é de modo algum um pobre coitado, a conversa pode decorrer mais ou menos assim: - É concreto? - (Sim!) - Pertence ao reino mineral? - (Não!) - É animado? - (Sim!) - Pertence ao reino vegetal? - (Não!) - É um animal? - (Sim!) - É um pássaro? - (Não!) - É um mamífero? - (Sim!) – É todo o animal? - (Sim!) - É um gato? - (Sim!) - É o Tareco? (Siiiiiim! Risos...) Foi, portanto, Aristóteles quem descobriu este jogo. Por seu lado, a Platão cabe a honra de ter inventado o “esconde-esconde”; e a Demócrito já atribuímos a honra de ter descoberto o jogo do Lego. Aristóteles foi um homem meticuloso e metódico que queria pôr em ordem os conceitos dos homens. Por isso, foi ele quem fundou a “lógica” como ciência. Estabeleceu várias regras precisas para determinar que conclusões ou que demonstrações são válidas logicamente. Vamos ver um exemplo: se eu afirmo primeiro que "todos os seres vivos são mortais" (1a premissa), e afirmo em seguida que "Hermes é um ser vivo" (2a premissa), posso deduzir a conclusão: "Hermes é mortal”. (Chama-se silogismo esse tipo de construção lógica). O exemplo mostra que a lógica de Aristóteles trata da relação entre termos, neste caso "ser vivo" e "mortal". Mesmo sendo forçoso admitir que o silogismo dado é cem por cento sustentável, temos de reconhecer que ele não nos diz propriamente nada de novo. Já sabíamos que Hermes é "mortal". (Porque é um cão, e todos os cães são "seres vivos" - logo, "mortais", ao contrário das pedras). Sim, Sofia, já sabíamos isso. Mas nem sempre a relação entre grupos ou coisas nos parece tão evidente. Por vezes, pode ser necessário ordenar os nossos termos. Vou contentar-me com um exemplo: será verdade que crias de rato podem mamar leite da mãe como sucede com as ovelhas ou os porcos? Isto parece muito estranho, mas não nos podemos esquecer de que os ratos não põem ovos. (Quando é que eu vi um ovo de rato ultimamente?). Mas dão à luz crias – tal como os porcos ou as ovelhas. Mas os animais que dão à luz crias são chamados mamíferos - e os mamíferos mamam o leite das mães. Com isto, atingimos o nosso objetivo. Tínhamos a resposta dentro de nós, mas foi preciso refletir primeiro. De momento, tínhamo-nos esquecido de que os ratos mamam realmente leite das mães. Talvez seja porque nunca vimos as crias dos ratos a mamar, certamente porque os ratos se envergonham um pouco à frente dos homens quando têm de alimentar as suas crias. Quando Aristóteles quer "pôr ordem" na existência, ele aponta primeiro para o fato de que tudo o que há na natureza pode ser dividido em dois grupos principais. Por um lado, temos as “coisas inanimadas” - como pedras, gotas de água e torrões de terra. Nelas não está inerente nenhuma potencialidade de mudança. Essas coisas inanimadas só se podem alterar, segundo Aristóteles, por ação do exterior. Por outro lado, temos as “coisas animadas”, nas quais é inerente a possibilidade de se alterarem. No que diz respeito às coisas animadas, Aristóteles salienta que devem ser divididas em 2 grupos -por um lado o reino vegetal (ou plantas) e por outro os seres animados. Por fim, os seres animados podem dividir-se em subgrupos - nomeadamente os “animais” e os “homens”. Tens de admitir que esta classificação, apesar da imprecisão em relação às plantas, é clara e compreensível. Entre as coisas animadas e não animadas existe uma diferença essencial. Também entre as plantas e os animais existe uma diferença essencial, por exemplo, entre uma rosa e um cavalo. E eu gostaria de pensar também que existe uma diferença essencial entre um cavalo e um homem. Mas onde é que residem exatamente essas diferenças? Consegues responder a isto? Infelizmente, não tenho tempo para esperar que escrevas a resposta e a coloques num envelope cor-de-rosa com um torrão de açúcar, por isso respondo eu mesmo imediatamente. Quando Aristóteles classifica os fenômenos da natureza em diferentes grupos, parte das qualidades das coisas, ou, mais exatamente, do que elas podem fazer ou do que elas fazem. Todos os seres vivos (plantas, animais e homens) têm a faculdade de assimilar a alimentação, de crescer e de se multiplicar. Os homens e os animais têm ainda a capacidade de sentir e de se mover na natureza. Todos os homens têm ainda a faculdade de pensar - ou, justamente, de ordenar as suas impressões sensíveis em diferentes grupos e classes. Deste modo, não há na natureza limites verdadeiramente definidos. Vemos uma passagem gradual de plantas mais simples para plantas mais complexas, de animais simples para animais complexos. No cimo desta escala está o homem - que, segundo Aristóteles, reúne toda a vida da natureza. O homem cresce e alimenta-se, tal como as plantas, tem sensações e a capacidade de se mover, tal como os animais, mas, além disso, tem uma característica muito particular, que só o homem possui: a capacidade de pensar racionalmente. Deste modo, o homem possui uma centelha da razão divina, Sofia. Sim, eu disse "divina". Em alguns passos, Aristóteles explica que tem de haver um Deus que deu origem a todos os movimentos da natureza. Deste modo, Deus representa o vértice absoluto na escala da natureza. Aristóteles acreditava que os movimentos das estrelas e dos planetas regiam os movimentos aqui na terra. Mas tinha de haver algo que movesse os corpos celestes. A esse algo chamava Aristóteles “o Primeiro Motor” ou Deus. O primeiro motor não se move, mas é a primeira causa dos movimentos dos corpos celestes e, consequentemente, de todos os movimentos na natureza. “Ética , política e a concepção da mulher” Regressemos ao homem, Sofia. A "forma" do homem é, segundo Aristóteles, possuir uma "alma vegetativa", uma "alma sensitiva", como uma "alma racional". E ele pergunta então: como é que o homem deve viver? De que é que o homem precisa para viver bem? Posso responder em poucas palavras: o homem só é feliz quando pode desenvolver e usar todas as suas faculdades e capacidades. Aristóteles acreditava em três formas de se conseguir uma vida feliz: a primeira forma de vida tem a ver com o desejo e o prazer do corpo. A segunda como cidadão livre e responsável. A terceira como pesquisador e filósofo, Aristóteles sublinha que estas três formas se completam para que o homem possa ter uma vida feliz. Ele recusava, portanto, qualquer tipo de parcialidade. Se vivesse hoje, talvez dissesse que um homem que apenas cuida do seu corpo vive tão parcialmente e tão mal como aquele que apenas usa a cabeça. Ambos os extremos são expressão de uma conduta errada de vida. No que diz respeito à relação com o próximo, Aristóteles também aconselha um "meio termo". Não devemos ser covardes nem temerários, mas corajosos. (Pouca coragem significa covardia, demasiada coragem significa temeridade). Também não devemos ser avarentos nem esbanjadores, mas generosos. (Ser pouco generoso é avareza, ser muito generoso é esbanjamento). O mesmo é válido para a alimentação. Comer pouco é perigoso, mas comer muito também é perigoso. A ética de Platão e de Aristóteles faz recordar a ciência médica grega: só através da harmonia e da moderação me torno um homem feliz ou "harmonioso". A idéia de que o homem não deve levar nada ao extremo, na vida, está também patente na visão aristotélica da sociedade. Aristóteles afirmava que o homem é um "ser social". Na sua opinião, sem a sociedade à nossa volta não somos verdadeiros homens. A família e a cidade satisfazem as necessidades vitais mais básicas como a alimentação e o calor, o casamento e a educação dos filhos. Todavia, a forma mais elevada de comunidade humana só pode ser, para Aristóteles, o Estado. Com isto coloca-se a questão: como é que o Estado deveria ser organizado? (Ainda te recordas do Estado platônico dos filósofos?). Aristóteles menciona várias formas boas de governo. Uma delas é a “monarquia” - significa que há um único chefe supremo do Estado. Para que esta forma de Estado seja boa, não pode degenerar em "tirania", caso em que um único soberano governa o Estado em seu próprio proveito. Uma outra forma boa de Estado é a “aristocracia”. A aristocracia é o governo de um grupo restrito de indivíduos. Esta forma de Estado tem de se precaver para não degenerar numa oligarquia, um regime no qual apenas são salvaguardados os interesses de poucas pessoas. Uma terceira forma de Estado é a “democracia”. Mas também esta forma de Estado tem o seu lado contrário. Uma democracia pode facilmente degenerar numa "oclocracia" que significa governo da multidão. (Mesmo que Hitler não se tivesse tornado chefe de Estado da Alemanha, muitos pequenos nazis teriam podido estabelecer uma terrível "oclocracia"). Finalmente, temos de dizer algo acerca da ideia de Aristóteles sobre a mulher. Infelizmente, não era tão animadora como a de Platão. Aristóteles pensava que algo faltava à mulher. Ela é um "homem incompleto". Na reprodução, a mulher é passiva e receptora, enquanto o homem é ativo e doador. Por isso, segundo Aristóteles, a criança herdava apenas as características do homem. Todas as características da criança estavam contidas no sêmen do homem. A mulher é como o terreno que recebe e conserva a semente, enquanto o homem é o próprio "semeador". Ou, dito de uma forma verdadeiramente aristotélica: o homem dá a "forma", a mulher dá a "matéria". É surpreendente e lamentável que um homem tão perspicaz como Aristóteles se pudesse enganar desse jeito no que se refere à relação entre os sexos. Mas isto nos mostra duas coisas: primeiro, que Aristóteles não deve ter tido muita experiência pratica na vida com mulheres e crianças; em segundo lugar, que uma série de coisas pode dar errado quando são apenas homens que reinam supremos na filosofia e na ciência. A concepção aristotélica da mulher é particularmente grave porque se tornou predominante durante a Idade Média, e não a de Platão. Deste modo, também a Igreja herdou uma concepção da mulher para a qual não há justificação nenhuma na Bíblia. Jesus não era de modo algum inimigo das mulheres! Por agora não digo mais nada! Mas continuarás a ter notícias minhas. Após ter lido duas vezes o capítulo acerca de Aristóteles, Sofia meteu de novo as folhas no envelope amarelo e olhou ao seu redor. Depois de ter lido acerca de Aristóteles sabia que era igualmente importante manter a ordem em conceitos e ideias. .
Questões 1.Quais as diferenças entre Platão e Aristóteles? 2. Qual a importância de Aristóteles para a cultura europeia? 3.Em que Aristóteles estava de acordo com Platão? 4. Porque para Aristóteles as ideias não eram inatas? 5.O que era “matéria” e “forma” para Aristóteles? 6. Porque pode-se dizer que Aristóteles foi um homem meticuloso e metódico? 7. Comente sobre a divisão da natureza entre coisas inanimadas e animadas. 8, Em que o homem se diferencia e se assemelha em relação a animais e plantas? 9. Quais as três formas de se adquirir uma vida feliz? 10. Quais eram as ideias de Aristóteles sobre as mulheres?

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O livre-arbítrio não existe, dizem neurocientistas (Aretha Yarak – Veja:Ciência)

Saber se os homens são capazes de fazer escolhas e eleger o seu caminho, ou se não passam de joguetes de alguma força misteriosa, tem sido há séculos um dos grandes temas da filosofia e da religião. De certa maneira, a primeira tese saiu vencedora no mundo moderno. Vivemos no mundo de Cássio, um dos personagens da tragédia Júlio César, de William Shakespeare. No começo da peça, o nobre Brutus teme que o povo aceite César como rei, o que poria fim à República, o regime adotado por Roma desde tempos imemoriais. Ele hesita, não sabe o que fazer. É quando Cássio procura induzi-lo à ação. Seu discurso contém a mais célebre defesa do livre-arbítrio encontrada nos livros. "Há momentos", diz ele, "em que os homens são donos de seu fado. Não é dos astros, caro Brutus, a culpa, mas de nós mesmos, se nos rebaixamos ao papel de instrumentos." Como nem sempre é o caso com os temas filosóficos, a crença no livre-arbítrio tem reflexos bastante concretos no "mundo real". A maneira como a lei atribui responsabilidade às pessoas ou pune criminosos, por exemplo, depende da ideia de que somos livres para tomar decisões, e portanto devemos responder por elas. Mas a vitória do livre-arbítrio nunca foi completa. Nunca deixaram de existir aqueles que acreditam que o destino está escrito nas estrelas, é ditado por Deus, pelos instintos, ou pelos condicionamentos sociais. Recentemente, o exército dos deterministas – para usar uma palavra que os engloba – ganhou um reforço de peso: o dos neurocientistas. Eles são enfáticos: o livre-arbítrio não é mais que uma ilusão. E dizem isso munidos de um vasto arsenal de dados, colhidos por meio de testes que monitoram o cérebro em tempo real. O que muda se de fato for assim? Mais rápido que o pensamento — Experimentos que vêm sendo realizados por cientistas há anos conseguiram mapear a existência de atividade cerebral antes que a pessoa tivesse consciência do que iria fazer. Ou seja, o cérebro já sabia o que seria feito, mas a pessoa ainda não. Seríamos como computadores de carne - e nossa consciência, não mais do que a tela do monitor. Um dos primeiros trabalhos que ajudaram a colocar o livre-arbítrio em suspensão foi realizado em 2008. O psicólogo Benjamin Libet, em um experimento hoje considerado clássico, mostrou que uma região do cérebro envolvida em coordenar a atividade motora apresentava atividade elétrica uma fração de segundos antes dos voluntários tomarem uma decisão – no caso, apertar um botão. Estudos posteriores corroboraram a tese de Libet, de que a atividade cerebral precede e determina uma escolha consciente. Um deles foi publicado no periódico científico PLoS ONE, em junho de 2011, com resultados impactantes. O pesquisador Stefan Bode e sua equipe realizaram exames de ressonância magnética em 12 voluntários, todos entre 22 e 29 anos de idade. Assim como o experimento de Libet, a tarefa era apertar um botão, com a mão direita ou a esquerda. Resultado: os pesquisadores conseguiram prever qual seria a decisão tomada pelos voluntários sete segundos antes de eles tomarem consciência do que faziam. Nesses sete segundos entre o ato e a consciência dele, foi possível registrar atividade elétrica no córtex polo-frontal — área ainda pouco conhecida pela medicina, relacionada ao manejo de múltiplas tarefas. Em seguida, a atividade elétrica foi direcionada para o córtex parietal, uma região de integração sensorial. A pesquisa não foi a primeira a usar ressonância magnética para investigar o livre-arbítrio no cérebro. Nunca, no entanto, havia sido encontrada uma diferença tão grande entre a atividade cerebral e o ato consciente. Patrick Haggard, pesquisador do Instituto de Neurociência Cognitiva e do Departamento de Psicologia da Universidade College London, na Inglaterra, cita experimentos que comprovam, segundo ele, que o sentimento de querer algo acontece após (e não antes) de uma atividade elétrica no cérebro. "Neurocirurgiões usaram um eletrodo para estimular um determinado local da área motora do cérebro. Como consequência, o paciente manifestou em seguida o desejo de levantar a mão", disse Haggard em entrevista ao site de VEJA. "Isso evidencia que já existe atividade cerebral antes de qualquer decisão que a gente tome, seja ela motora ou sentimental." O psicólogo Jonathan Haidt, da Universidade da Vírginia, nos Estados Unidos, demonstrou que grande parte dos julgamentos morais também é feito de maneira automática, com influência direta de fortes sentimentos associados a certo e errado. Não há racionalização. Segundo o pesquisador, certas escolhas morais – como a de rejeitar o incesto – foram selecionadas pela evolução, porque funcionou em diversas situações para evitar descendentes menos saudáveis pela expressão de genes recessivos. É algo inato e, por isso, comum e universal a todas as culturas. Para a neurociência, é mais um dos exemplos de como o cérebro traz à tona algo que aprendeu para conservar a espécie.
DEPOIS DE LER O TEXTO, RESPONDAM AS QUESTÕES A SEGUIR: 1. De acordo com o texto, qual é a tese defendida pelos neurocientistas? De que forma eles justificam essa tese? 2. Por que é possível afirmar que eles defendem uma visão determinista do ser humano? Justifique. 3. Qual tipo de determinismo está presente no texto? Justifique. 4. Explique a seguinte ideia presente no texto “a crença no livre-arbítrio tem reflexos bastante concretos no "mundo real". 5. Explique a relação entre determinismo e moral apontada no texto.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Trabalho de Filosofia - 1 T.A.

Questões
1. O que significa a máxima socrática "só sei que nada sei"? Ela se refere a Sócrates ou à própria filosofia? Como?(2,0)
2. Em que consiste o método socrático? Explique.(1,0)
3. Os inimigos de Sócrates acusavam-no de corromper a juventude. Segundo a tradição filosófica, seria outra a intenção do filósofo. Explique.(1,0)
4. "O filósofo é critico, embora não seja cético. Não desespera da verdade, mas recusa todas a certezas, considerando-as provisórias e sujeitas a serem relativizadas por novos argumentos." (Sérgio Paulo Rouanet. As razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1985. p.320) Explique a citação respondendo às questões a seguir: a) O que é ceticismo?(1,0) b) O que é dogmatismo?(1,0) c) É possível recusar tanto o ceticismo como o dogmatismo? Justifique sua respostas.(1,0)
5. Explique a teoria dos dois mundos de Platão.(1,0)
6.Como Platão supera as doutrinas dos pré-socráticos Heráclito e Parmênides?(1,0)
7.Aristóteles define a ciência como conhecimento verdadeiro, conhecimento pelas causas, por meio do qual é possível superar os enganos da opinião e compreender a natureza da mudança, do movimento." Tendo por base a teoria do conhecimento aristotélica, explique as quatro causas.(1,0)
Instruções: Trabalho com respostas manuscritas( as perguntas podem ser digitadas) Individual Entregar no próximo dia 18/06. Deve-se pesquisar na internet, em livros para responder as questões.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

TRATADO ACERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO - JOHN LOCKE

LIVRO II - AS IDEIAS
AS IDÉIAS EM GERAL E SUA ORIGEM
1.Idéia é o objeto do pensamento. Todo homem tem consciência que pensa, e que quando está pensando sua mente se ocupa de idéias.Por conseguinte, é indubitável que as mentes humanas têm várias idéias,expressas, entre outros, pelos termos brancura, dureza, doçura, pensamento,movimento, homem, elefante, exército, embriaguez. Disso decorrea primeira questão a ser investigada: como elas são apreendidas?Consiste numa doutrina aceita que o ser primordial dos homens tem idéias inatas e caracteres originais estampados em sua mente. Já examinei,em linhas gerais, essa opinião, e suponho que o que ficou dito nolivro anterior será facilmente admitido quando tiver mostrado como o entendimento obtém todas as suas idéias, e por quais meios e graus elas podem penetrar na mente; com este fim solicitarei a cada um recorrer à sua própria observação e experiência.
2. Todas as idéias derivam da sensação ou reflexão. Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem nenhuma idéia; como ela será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e ilimitada fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra: da experiência. Todo o nosso conhecimento está nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento. Empregada tanto nos objetos sensíveis externos como nas operações internas de nossas mentes, que são por nós mesmos percebidas e refletidas, nossa observação supre nossos entendimentos com todos os materiais do pensamento. Dessas duas fontes de conhecimento jorram todas as nossas idéias, ou as que possivelmente teremos.
3. O objeto da sensação é uma fonte das idéias. Primeiro, nossos sentidos, familiarizados com os objetos sensíveis particulares, levam para a mente várias e distintas percepções das coisas, segundo os vários meios pelos quais aqueles objetos os impressionaram. Recebemos, assim, as ideias de amarelo, branco, quente, frio, mole, duro, amargo, doce e todas as idéias que denominamos de qualidades sensíveis. Quando digo que os sentidos levam para a mente, entendo com isso que eles retiram dos objetos externos para a mente o que lhes produziu estas percepções. A esta grande fonte da maioria de nossas idéias, bastante dependente de nossos sentidos,dos quais se encaminham para o entendimento, denomino sensação.
4. As operações de nossas mentes consistem na outra fonte de idéias. Segundo, a outra fonte pela qual a experiência supri o entendimento com idéias é a percepção das operações de nossa própna mente,que se ocupa das idéias que já lhe pertencem. Tais op~rações, quando a alma começa a refletir e a considerar, suprem o entendImento com outra série de idéias que não poderia ser obtida das coisas externas, tais como a percepção, o pensamento, o duvidar, o crer, o raciocinar, o conhecer, o querer e todos os diferentes atos de nossas propnas mentes. Tendo disso consciencia, observando esses atos em nós mesmos, nós os incorporamos em nossos entendimentos como idéias distintas, do mesmo modo que fazemos com os corpos que impressionam nossos sentidos. Toda gente tem esta fonte de idéias completamente em si mesma; e, embora não a tenha sentido como relacionada com os objetos externos, provavelmente ela está e deve propriamente ser chamada de sentido interno. Mas, como denomino a outra de sensação, denomino esta de reflexao: Ideias que se dão ao luxo de serem tais apenas quando a mente reflete acerca de suas próprias operações. Na parte seguinte deste discurso, quero que se entenda que a reflexão significa a mente observando suas propnas operaçoes como elas se formam, e como elas se tornam as idéias dessas operaçoes no entendimento. Afirmo que estas duas, a saber, as coisas materiais externas,como objeto da sensação, e as operações de nossas próprias mentes, como objeto da reflexão, são, a meu ver, os únicos dados onginais dos quais as idéias derivam. O termo operações é usado aqui em sentido lato, compreendendo não apenas as ações da mente sobre suas idéias, mas também certos tipos de paixões que às vezes nascem delas, tais como a satisfação ou inquietude que nascem de qualquer pensamento.
5. Todas as nossas idéias derivam de uma ou de outra fonte.Parece-me que o entendimento não tem o menor vislumbre de uma idéia se não a receber de uma das duas fontes. Os objetos externos suprem a mente com as idéias das qualidades sensíveis, que são todas as diferentes percepções produzidas em nós, e a mente supre o entendimento com ideias através de suas próprias operações. Quando efetuarmos uma investigação completa de ambos, de seus vários modos, combinações e relações, descobriremos que eles contêm todo o nosso estoque de idéias, e que não temos nada em nossas mentes a não ser o derivado de um desses dois meios. Se alguém examinar seus próprios pensamentos, dir-me-á, então, se todas as idéias originais que lá estão são algo mais do que os objetos de seus sentidos, ou das operações de sua mente encarada como objeto de sua reflexão; e, por mais ampla que seja a massa de conhecimentos lá localizada, por mais que ele imagine, verá, assumindo um ponto de vista estrito, que não tem idéia alguma em sua mente, a não ser o que foi por uma dessas duas impresso, embora talvez compostas em infinita variedade e ampliadas pelo entendimento, como veremos adiante.
6. Observável nas crianças. Quem considerar com atenção a situação de uma criança quando vem ao mundo quase não terá razão para supor que ela se encontra com uma abundância de idéias que constituirão o material de seu futuro conhecimento. Gradualmente, será delas provida; embora as idéias das qualidades óbvias e familiares se imprimam antes de a memória começar a fazer um registro do tempo e da ordem, será, freqüentemente, bem mais tarde que certas qualidades incomuns surgem no caminho das crianças, e poucos homens não se lembram de quando se familiarizaram com elas; e, se fosse proveitoso, não há dúvida que uma criança seria de tal modo ordenada para ter apenas algumas das idéias ordinárias até desenvolver-se num homem. Mas, como todos os seres viventes se encontram envoltos por corpos que perpétua e diversamente os impressionam, surge uma variedade de idéias, levadas ou não em consideração,que se imprimem nas mentes das crianças. Luz e cores estão à disposição em toda parte em que o olho estiver apenas aberto; sons e certas qualidades sensíveis não se omitem de procurar seus próprios sentidos, forçando sua entrada na mente; mesmo assim, penso ser facilmente admitido que, se uma criança fosse mantida num lugar em que apenas visse o branco e o preto até a idade adulta, não teria idéia do vermelho ou do verde, do mesmo modo que quem jamais experimentou o gosto da ostra ou do abacaxi não teria esses gostos determinados.
7. Os homens estão diversamente supridos dessas idéias, segundo os diferentes objetos com os quais entram em contato. Os homens são, portanto, supridos com menos ou mais idéias simples do exterior, à medida que os objetos com os quais entram em contato oferecem maior ou menor variedade; estão supridos com as operações internas de suas mentes, à medida que refletem mais ou menos sobre elas; portanto, a menos que dirijam seus pensamentos para esta via e a considerem atentamente, não terão mais idéias claras e distintas de todas as operações de sua mente,e em tudo que puder ser observado acerca desse assunto, quer tenham todas as idéias particulares de qualquer paisagem, quer das partes dos movimentos de um relógio, deverão encarar e prestar atençao a todos os seus pormenores. A pintura ou o relógio podem estar de tal modo situados que diariamente surgem no caminho de um homem; mesmo assim, ele terá uma idéia confusa de todas as partes de que são feitos enquanto nao se aplicar com atenção e considerar cada uma delas pormenorizadamente.
8. As idéias de reflexão são posteriores, porque necessitam de atenção. Vemos, assim, a razão pela qual bem mais tarde a maioria das crianças adquire idéias das operações de suas próprias mentes. E algumas nao tem idéias claras ou perfeitas da maioria de suas operaçoes durante toda a vida. Embora tenham a mente continuamente atingida por visoes flutuantes,estas não a impressionam suficiente e profundamente, marcando-a com idéias claras, distintas e duráveis, enquanto o entendimento nao se volta para si mesmo e reflete sobre suas próprias operações, tornando-as o objeto de sua própria contemplação. Quando as cnanças chegam ao mundo pela primeira vez, encontram-se rodeadas por uma infinidade de coisas novas, que, por constante solicitação de seus sentidos, onentam a mente constantemente para elas, avançando para observar de novo, e se deliciando com a variedade cambiante de objetos. São, assim, os primeiros anos usualmente empregados e entretidos em olhar para fora. A tarefa dos homens consiste em se familiarizarem com o que eXiste para ser encontrado externamente; e assim, crescendo com atenção constante para as sensações externas, raramente os homens fazem alguma reflexão considerável sobre o que ocorre com eles, até atingirem a idade adulta; e alguns jamais fazem tal reflexão.
9. A alma começa a ter idéias quando começa a perceber. Perguntar quando um homem começa a ter quaisquer idéis equivale a perguntar quando começa a perceber, pois dá no mesmo dizer ter zde!as ou ter percepção. Sei que alguns são de opinião que a alma sempre pensa, e contanto que exista, tem constante e por si mesma percepção real das ideias, e que o pensamento real é inseparável da alma, como o é a extensao real do corpo. Sendo tudo isso verdadeiro, inquirir. acerca da ongem das ldeias dos homens equivale a inquirir acerca da ongem de sua alma. com base nisso, a alma e suas idéias, como o corpo e sua extensao, começarao ambos a existir ao mesmo tempo.
10. A alma nem sempre pensa, pois isto necessita de provas. Supor-se, porém, que a alma antecede, coexiste ou aparece certo tempo depois dos primeiros rudimentos ou do começo da Vida no corpo e tema para ser discutido por quem for mais bem-dotado. Confesso que possuo uma dessas almas apáticas, que nem sempre têm percepçao de si mesmas ao contemplar idéias, nem posso conceber nada mais necessário à alma do que sempre pensar, ao corpo de estar sempre em movimento, e imagino que a percepção das idéias é para a alma o que o movimento é para o corpo, isto é, não é sua essência, mas uma de suas operações. Portanto, embora o pensamento jamais possa ser a tal ponto suposto como ação apropriada da alma, ainda assim não é necessário supor que ela estaria sempre pensando, sempre em ação. É este, talvez, o privilégio do infinito Autor e Protetor de todas as coisas, "que nunca repousa e nem dorme", o que não é admissível para nenhum ser finito; pelo menos não o é para a alma do homem. Sabemos, certamente por experiência, que às vezes pensamos; daí chegamos a esta conclusão infalível: há alguma coisa em nós que tem o poder de pensar. Mas de que esta substância esteja perpetuamente pensando, ou não, não podemos ter mais segurança do que nos informa a experiência. Afirmar que o pensamento real é essencial à alma e inseparável dela é uma petição de princípio e não uma prova racional, sendo necessário apresentá-la, por não se tratar de uma proposição evidente por si mesma. Mas insistir que esta proposição - "a alma sempre pensa" - é evidente por si mesma, com a qual todos concordam apenas através de uma primeira inquirição, leva-me a pedir auxílio a todos os homens. Quando digo que tenho dúvidas se pensei ou não durante toda a noite, isto implica que se trata de uma questão sobre um fato e que não se pode aceitar, para prová-la, uma hipótese consistindo na própria coisa em questão, da qual não se pode chegar a nenhuma prova. Seria, pois, o mesmo que supor que todos os relógios pensam, desde que seus ponteiros se movimentam, ficando disso, portanto, provado, sem qualquer dúvida,que meu relógio pensou durante toda a noite passada. Quem não quiser se equivocar, deve construir sua hipótese, derivada da experiência sensível, sobre um fato, e não supor um fato devido a essa hipótese, isto é, porque supõe ser assim, o que como prova equivale a isto: devo necessariamente ter pensado durante toda a noite passada, porque alguém supõe que sempre penso, embora eu mesmo nem sempre o perceba. Entretanto, os homens enamorados de suas próprias opiniões podem não só supor o que está em questão, como recorrer ao fato errôneo. De que outro modo poderia alguém tirar de minha inferência que uma coisa não é porque não a sentimos no sono? Não digo que não existe alma no homem porque não a sente no sono, mas digo: não pode pensar um momento sequer, acordado ou dormindo, sem ser sensível a isso. Sermos sensíveis a isso não é uma coisa necessária para todas as coisas; é, contudo, para os nossos pensamentos, sendo para eles agora e sempre necessário,até que possamos pensar sem termos disso consciência.
11. Nem sempre tem consciência disso. Concordo que a alma de um homem desperto jamais está vazia de pensamento, porque esta é a condição de estar acordado. Deve, porém, o homem desperto considerar se dormir sem sonhar afeta ou não o homem em sua totahdade, tanto a mente como no corpo. Pois é muito difícil imaginar que alguma coisa possa pensar e não estar consciente disso. Se a mente de um homem que dorme pensa sem ter consciência disso, pergunto:sentiu no pensamento algum prazer ou dor, ou foi capaz de ter felicidade ou infortunio. Estou seguro de que o homem não sentiu nada mais do que a cama ou a terra em que se encontra. Ser feliz ou miserável sem ter consciencia disso parece-me totalmente inconsciente e impossível. Quando o corpo dorme e impossível que a alma tenha pensamento, alegria e preocupações, prazer e sofrimento, embora o homem não seja nem consciente e nem participe disso. Certamente, Sócrates dormindo e Sócrates acordado não é a mesma pessoa, pois sua alma quando dorme, e Sócrates o homem, consistindo de corpo e alma, quando está acordado, são duas pessoas. Portanto Sócrates acordando, não tem conhecimento da felicidade ou relaçao como o infortúnio de sua alma, sentido por ele só quando dormia. Sem, contudo,percebê-los, assemelha-se a sua falta de sentimento pela felicidade ou infortúnio pelo homem das Indias, simplesmente porque não o conhece. Se for excluída totalmente a consciência de nossas ações ou sensaçoes, especialmente as do prazer e sofrimento, juntamente com os problemas que acompanham, será difícil caracterizar a identidade pessoal.
QUESTÕES 1. De que todo homem tem consciência? 2. De onde o homem apreende todo o material da razão e do conhecimento? 3. De quais duas formas de experiência derivam nossas idéias? 4. O que significa dizer que os “sentidos levam para a mente”? 5. Como Locke define a sensação? 6. Como define a reflexão? 7. Que o exemplo da criança utilizado por Locke visa confirmar? 8. Segundo Locke que tipo de reflexão os muitos homens deixam de fazer? 9. Porque para Locke a alma nem sempre pensa? 10. O que compõe nossa identidade pessoal?

PSICANÁLISE, ALIENAÇÃO SOCIAL E IDEOLOGIA. (MARILENA CHAUÍ)

O inconsciente
Freud escreveu que, no transcorrer da modernidade, os humanos foram feridos três vezes e que as feridas atingiram o nosso narcisismo, isto é, a bela imagem que possuíamos de nós mesmos como seres conscientes racionais e com a qual, durante séculos, estivemos encantados. Que feridas foram essas? A primeira foi a que nos infligiu Copérnico, ao provar que a Terra não estava no centro do Universo e que os homens não eram o centro do mundo. A segunda foi causada por Darwin, ao provar que os homens descendem de um primata, que são apenas um elo na evolução das espécies e não seres especiais, criados por Deus para dominar a Natureza. A terceira foi causada por Freud com a psicanálise, ao mostrar que a consciência é a menor parte e a mais fraca de nossa vida psíquica.Na obra Cinco ensaios sobre a psicanálise, Freud escreve: “A Psicanálise propõe mostrar que o Eu não somente não é senhor na sua própria casa, mas também está reduzido a contentar-se com informações raras e fragmentadas daquilo que se passa fora da consciência, no restante da vida psíquica… A divisão do psíquico num psíquico consciente e num psíquico inconsciente constitui a premissa fundamental da Psicanálise, sem a qual ela seria incapaz de compreender os processos patológicos, tão frequentes quanto graves, da vida psíquica e fazê-los entrar no quadro da ciência… A psicanálise se recusa a considerar a consciência como constituindo a essência da vida psíquica, mas nela vê apenas uma qualidade desta, podendo coexistir com outras qualidades e até mesmo faltar.”
A psicanálise
Freud era médico psiquiatra. Seguindo os médicos de sua época, usava a hipnose e a sugestão no tratamento dos doentes mentais, mas sentia-se insatisfeito com os resultados obtidos. Certa vez, recebeu uma paciente, Anna O., que apresentava sintomas de histeria, isto é, apresentava distúrbios físicos (paralisias, enxaquecas, dores de estômago), sem que houvesse causas físicas para eles, pois eram manifestações corporais de problemas psíquicos. Em lugar de usar a hipnose e a sugestão, Freud usou um procedimento novo: fazia com que Anna relaxasse num divã e falasse. Dizia a ela palavras soltas e pedia-lhe que dissesse a primeira palavra que lhe viesse à cabeça ao ouvir a que ele dissera (posteriormente, Freud denominaria esse procedimento de “técnica de associação livre”). Freud percebeu que, em certos momentos, Anna reagia a certas palavras e não pronunciava aquela que lhe viera à cabeça, censurando-a por algum motivo ignorado por ela e por ele. Notou também que, em outras ocasiões, depois de fazer a associação livre de palavras, Anna ficava muito agitada e falava muito. Observou que, certas vezes, algumas palavras a faziam chorar sem motivo aparente e, outras vezes, a faziam lembrar de fatos da infância, narrar um sonho que tivera na noite anterior. Pela conversa, pelas reações da paciente, pelos sonhos narrados e pelas lembranças infantis, Freud descobriu que a vida consciente de Anna era determinada por uma vida inconsciente, que, tanto ela quanto ele, desconheciam. Compreendeu também que somente interpretando as palavras, os sonhos, as lembranças e os gestos de Anna chegaria a essa vida inconsciente. Freud descobriu, finalmente, que os sintomas histéricos tinham três finalidades: 1. contar indiretamente aos outros e a si mesma os sentimentos inconscientes; 2. punir-se por ter tais sentimentos; 3. realizar, pela doença e pelo sofrimento, um desejo inconsciente intolerável. Tratando de outros pacientes, Freud descobriu que, embora, conscientemente, quisessem a cura, algo neles criava uma barreira, uma resistência inconsciente à cura. Por quê? Porque os pacientes sentiam-se interiormente ameaçados por alguma coisa dolorosa e temida, algo que haviam penosamente esquecido e que não suportavam lembrar. Freud descobriu, assim, que o esquecimento consciente operava simultaneamente de duas maneiras: 1. como resistencia à terapia; 2. Sob a forma da doença psíquica, pois o inconsciente não esquece e obriga o esquecido a reaparecer sob a forma dos sintomas da neurose e da psicose. Desenvolvendo com outros pacientes e consigo mesmo esses procedimentos e novas técnicas de interpretação de sintomas, sonhos, lembranças, esquecimentos, Freud foi criando o que chamou de análise da vida psíquica ou psicanálise, cujo objeto central era o estudo do inconsciente e cuja finalidade era a cura de neuroses e psicoses, tendo como método a interpretação e como instrumento a linguagem (tanto a linguagem verbal das palavras quanto a linguagem corporal dos sintomas e dos gestos).
A vida psíquica
Durante toda sua vida, Freud não cessou de reformular a teoria psicanalítica, abandonando alguns conceitos, criando outros, abandonando algumas técnicas terapêuticas e criando outras. Não vamos, aqui, acompanhar a história da formação da psicanálise, mas apresentar algumas de suas principais ideias e inovações. A vida psíquica é constituída por três instâncias, duas delas inconscientes e apenas uma consciente: o id, o superego e o ego (ou o isso, o supereu e o eu). Os dois primeiros são inconscientes; o terceiro, consciente. O id é formado por instintos, impulsos orgânicos e desejos inconscientes, ou seja, pelo que Freud designa como pulsões. Estas são regidas pelo princípio do prazer, que exige satisfação imediata. O id é a energia dos instintos e dos desejos em busca da realização desse princípio do prazer. É a libido. Instintos, impulsos e desejos, em suma, as pulsões, são de natureza sexual e a sexualidade não se reduz ao ato sexual genital, mas a todos os desejos que pedem e encontram satisfação na totalidade de nosso corpo. Freud descobriu três fases da sexualidade humana que se diferenciam pelos órgãos que sentem prazer e pelos objetos ou seres que dão prazer. Essas fases se desenvolvem entre os primeiros meses de vida e os cinco ou seis anos, ligadas ao desenvolvimento do id: a fase oral , quando o desejo e o prazer localizam-se primordialmente na boca e na ingestão de alimentos e o seio materno, a mamadeira, a chupeta, os dedos são objetos do prazer; a fase anal , quando o desejo e o prazer localizam-se primordialmente no ânus e as excreções, fezes, brincar com massas e com tintas, amassar barro ou argila, comer coisas cremosas e sujar-se são os objetos do prazer; e a fase genital ou fase fálica, quando o desejo e o prazer localizam-se primordialmente nos órgãos genitais e nas partes do corpo que excitam tais órgãos. Nessa fase, para os meninos, a mãe é o objeto do desejo e do prazer; para as meninas, o pai. No centro do id, determinando toda a vida psíquica, encontra-se o que Freud denominou de complexo de Édipo, isto é, o desejo incestuoso pelo pai ou pela – mãe. É esse o desejo fundamental que organiza a totalidade da vida psíquica e determina o sentido de nossas vidas. O superego, também inconsciente, é a censura das pulsões que a sociedade e a cultura impõem ao id, impedindo-o de satisfazer plenamente seus instintos e desejos. É a repressão, particularmente a repressão sexual. Manifesta-se à consciência indiretamente, sob a forma da moral, como um conjunto de interdições e de deveres, e por meio da educação, pela produção da imagem do “eu ideal”, isto é, da pessoa moral, boa e virtuosa. O superego ou censura desenvolve-se num período que Freud designa como período de latência, situado entre os seis ou sete anos e o início da puberdade ou adolescência. Nesse período, forma-se nossa personalidade moral e social, de maneira que, quando a sexualidade genital ressurgir, estará obrigada a seguir o caminho traçado pelo superego. O ego ou o eu é a consciência, pequena parte da vida psíquica submetida aos desejos do id e à repressão do superego. Obedece ao princípio da realidade, ou seja, à necessidade de encontrar objetos que possam satisfazer ao id sem transgredir as exigências do superego. O ego, diz Freud, é “um pobre coitado”, espremido entre três escravidões: os desejos insaciáveis do id, a severidade repressiva do superego e os perigos do mundo exterior. Por esse motivo, a forma fundamental da existência para o ego é a angústia. Se se submeter ao id, torna-se imoral e destrutivo; se se submeter ao superego, enlouquece de desespero, pois viverá numa insatisfação insuportável; se não se submeter à realidade do mundo, será destruído por ele. Cabe ao ego encontrar caminhos para a angústia existencial. Estamos divididos entre o princípio do prazer (que não conhece limites) e o princípio da realidade (que nos impõe limites externos e internos). Ao ego-eu, ou seja, à consciência, é dada uma função dupla: ao mesmo tempo recalcar o id, satisfazendo o superego, e satisfazer o id, limitando o poderio do superego. A vida consciente normal é o equilíbrio encontrado pela consciência para realizar sua dupla função. A loucura (neuroses e psicoses) é a incapacidade do ego para realizar sua dupla função, seja porque o id ou o superego são excessivamente fortes, seja porque o ego é excessivamente fraco. O inconsciente, em suas duas formas, está impedido de manifestar-se diretamente à consciência, mas consegue fazê-lo indiretamente. A maneira mais eficaz para a manifestação é a substituição, isto é, o inconsciente oferece à consciência um substituto aceitável por ela e por meio do qual ela pode satisfazer o id ou o superego. Os substitutos são imagens (isto é, representações analógicas dos objetos do desejo) e formam o imaginário psíquico, que, ao ocultar e dissimular o verdadeiro desejo, o satisfaz indiretamente por meio de objetos substitutos (a chupeta e o dedo, para o seio materno; tintas e pintura ou argila e escultura para as fezes, uma pessoa amada no lugar do pai ou da mãe). Além dos substitutos reais (chupeta, argila, pessoa amada), o imaginário inconsciente também oferece outros substitutos, os mais freqüentes sendo os sonhos, os lapsos e os atos falhos. Neles, realizamos desejos inconscientes, de natureza sexual. São a satisfação imaginária do desejo. Alguém sonha, por exemplo, que sobe uma escada, está num naufrágio ou num incêndio. Na realidade, sonhou com uma relação sexual proibida. Alguém quer dizer uma palavra, esquece-a ou se engana, comete um lapso e diz uma outra que nos surpreende, pois nada tem a ver com aquela que se queria dizer. Realizou um desejo proibido. Alguém vai andando por uma rua e, sem querer, torce o pé e quebra o objeto que estava carregando. Realizou um desejo proibido. A vida psíquica dá sentido e coloração afetivo -sexual a todos os objetos e todas as pessoas que nos rodeiam e entre os quais vivemos. Por isso, sem que saibamos por que, desejamos e amamos certas coisas e pessoas, odiamos e tememos outras. As coisas e os outros são investidos por nosso inconsciente com cargas afetivas de libido. É por esse motivo que certas coisas, certos sons, certas cores, certos animais, certas situações nos enchem de pavor, enquanto outras nos enchem de bem-estar, sem que o possamos explicar. A origem das simpatias e antipatias, amores e ódios, medos e prazeres está em nossa mais tenra infância, em geral nos primeiros meses e anos de nossa vida, quando se formam as relações afetivas fundamentais e o complexo de Édipo. Essa dimensão imaginária de nossa vida psíquica – substituições, sonhos, lapsos, atos falhos, prazer e desprazer com objetos e pessoas – indica que os recursos inconscientes para surgir indiretamente à consciência possuem dois níveis: o nível do conteúdo manifesto (escada, mar e incêndio, no sonho; a palavra esquecida e a pronunciada, no lapso; pé torcido ou objeto partido, no ato falho; afetos contrários por coisas e pessoas) e o nível do conteúdo latente, que é o conteúdo inconsciente real e oculto (os desejos sexuais). Nossa vida normal se passa no plano dos conteúdos manifestos e, portanto, no imaginário. Somente uma análise psíquica e psicológica desses conteúdos, por meio de técnicas especiais (trazidas pela psicanálise), nos permite decifrar o conteúdo latente que se dissimula sob o conteúdo manifesto. Além dos recursos individuais cotidianos que nosso inconsciente usa para manifestar-se, e além dos recursos extremos e dolorosos usados na loucura (nela, os recursos são os sintomas), existe um outro recurso, de enorme importância para a vida cultural e social, isto é, para a existência coletiva. Trata-se do que Freud designa com o nome de sublimação. Na sublimação, os desejos inconscientes são transformados em uma outra coisa, exprimem-se pela criação de uma outra coisa: as obras de arte, as ciências, a religião, a Filosofia, as técnicas, as instituições sociais e as ações políticas. Artistas, místicos, pensadores, escritores, cientistas, líderes políticos satisfazem seus desejos pela sublimação e, portanto, pela realização de obras e pela criação de instituições religiosas, sociais, políticas, etc. Porém, assim como a loucura é a impossibilidade do ego para realizar sua própria função, também a sublimação pode não ser alcançada e, em seu lugar, surgir uma perversão social ou coletiva, uma loucura social ou coletiva. O nazismo é um exemplo de perversão, em vez de sublimação. A propaganda, que induz em nós falsos desejos sexuais pela multiplicação das imagens de prazer, é um outro exemplo de perversão ou de incapacidade para a sublimação. O inconsciente, diz Freud, não é o subconsciente. Este é aquele grau de consciência como consciência passiva e consciência vivida não-reflexiva, podendo tornar-se plenamente consciente. O inconsciente, ao contrário, jamais será consciente diretamente, podendo ser captado apenas indiretamente e por meio de técnicas especiais de interpretação desenvolvidas pela psicanálise. A psicanálise descobriu, assim, uma poderosa limitação às pretensões da consciência para dominar e controlar a realidade e o conhecimento. Paradoxalmente, porém, nos revelou a capacidade fantástica da razão e do pensamento para ousar atravessar proibições e repressões e buscar a verdade, mesmo que para isso seja preciso desmontar a bela imagem que os seres humanos têm de si mesmos. Longe de desvalorizar a teoria do conhecimento, a psicanálise exige do pensamento que não faça concessões às ideias estabelecidas, à moral vigente, aos preconceitos e às opiniões de nossa sociedade, mas que as enfrente em nome da própria razão e do pensamento. A consciência é frágil, mas é ela que decide e aceita correr o risco da angústia e o risco de desvendar e decifrar o inconsciente. Aceita e decide enfrentar a angústia para chegar ao conhecimento: somos um caniço pensante.
A alienação social
Às três feridas narcísicas mencionadas por Freud, precisamos acrescentar mais uma: a que nos foi infligida por Marx com a noção de ideologia. Para compreendê-la, precisamos primeiro compreender o fenômeno da alienação social. Marx era filósofo, advogado e historiador, e interessou-se por um estudo feito por um outro filósofo, Feuerbach. Este investigara o modo como se formam as religiões, isto é, o modo como os seres humanos sentem necessidade de oferecer uma explicação para a origem e a finalidade do mundo. Ao buscar essa explicação, os humanos projetam fora de si um ser superior dotado das qualidades que julgam as melhores: inteligência, vontade livre, bondade, justiça, beleza, mas as fazem existir nesse ser superior como superlativas, isto é, ele é onisciente e onipotente, sabe tudo, faz tudo, pode tudo. Pouco a pouco, os humanos se esquecem de que foram os criadores desse ser e passam a acreditar no inverso, ou seja, que esse ser foi quem os criou e os governa. Passam a adorá-lo, prestar-lhe culto, temê-lo. Não se reconhecem nesse Outro que criaram. Em latim, “outro” se diz: alienus. Os homens se alienam e Feuerbach designou esse fato com o nome de alienação. A alienação é o fenômeno pelo qual os homens criam ou produzem alguma coisa, dão independência a essa criatura como se ela existisse por si mesma e em si mesma, deixam-se governar por ela como se ela tivesse poder em si e por si mesma, não se reconhecem na obra que criaram, fazendo-a um ser-outro, separado dos homens, superior a eles e com poder sobre eles. Marx não se interessou apenas pela alienação religiosa, mas investigou sobretudo a alienação social. Interessou-se em compreender as causas pelas quais os homens ignoram que são os criadores da sociedade, da política, da cultura e agentes da História. Interessou-se em compreender por que os humanos acreditam que a sociedade não foi instituída por eles, mas por vontade e obra dos deuses, da Natureza, da Razão, em vez de perceberem que são eles próprios que, em condições históricas determinadas, criam as instituições sociais – família, relações de produção e de trabalho, relações de troca, linguagem oral, linguagem escrita, escola, religião, artes, ciências, filosofia – e as instituições políticas – leis, direitos, deveres, tribunais, Estado, exército, impostos, prisões. A ação sociopolítica e histórica chama-se práxis e o desconhecimento de suas origens e de suas causas, alienação. Por que os seres humanos não se reconhecem como sujeitos sociais, políticos, históricos, como agentes e criadores da realidade na qual vivem? Por que, além de não se perceberem como sujeitos e agentes, os humanos se submetem às condições sociais, políticas, culturais, como se elas tivessem vida própria, poder próprio, vontade própria e os governassem, em lugar de serem controladas e governadas por eles? Por que existe a alienação social? Por que os homens se deixam dominar pela sua própria obra ou criação histórica? Por que filósofos, teólogos, cientistas (portanto, o sujeito do conhecimento) elaboram teorias que reforçam a alienação? Por que filósofos dizem que a sociedade é produzida pela Natureza? Por que teólogos dizem que a família e o Estado existem por vontade de Deus? Por que os cientistas afirmam que a sociedade é racional e criada pela Razão Universal? Para compreender o fenômeno da alienação, Marx estudou o modo como as sociedades são produzidas historicamente pela práxis dos seres humanos. Verificou que, historicamente, uma sociedade (pequena, grande, tribal, imperial, não importa) sempre começa por uma divisão e que essa divisão organiza todas as relações sociais que serão instituídas a seguir. Trata-se da divisão social do trabalho. Na luta pela sobrevivência, os seres humanos se agrupam para explorar os recursos da Natureza e dividem as tarefas: tarefas dos homens adultos, tarefas das mulheres adultas, tarefas dos homens jovens, tarefas das mulheres jovens, tarefas das crianças e dos idosos. A partir dessa divisão, organizam a primeira instituição social: a família, na qual o homem adulto, na qualidade de pai, tornasse chefe e domina a mulher adulta, sua esposa e mãe de seus filhos, os quais também são dominados pelo pai. As famílias trabalham e trocam entre si os produtos do trabalho. Surge uma segunda instituição social: a troca, isto é, o comércio. Algumas famílias conquistam terras melhores do que outras e conseguem colheitas ou gado em maior quantidade que outras, trocando seus produtos por uma quantidade maior que a de outras. Ficam mais ricas. As muito pobres, não tendo conseguido produzir nada ou muito pouco, vêem-se obrigadas a trabalhar para as mais ricas em troca de produtos para a sobrevivência. Começa a surgir uma terceira instituição social: o trabalho servil, que desembocará na escravidão. Os mais ricos e poderosos reúnem-se e decidem controlar o conjunto de famílias, distribuindo entre si os poderes e excluindo algumas famílias de todo poder. Começa a surgir uma quarta instituição social: o poder político, de onde virá o Estado. Nessa altura, os seres humanos já começaram a explicar a origem e a finalidade do mundo, já elaboraram mitos e ritos. As famílias ricas e poderosas dão a alguns de seus membros autoridade exclusiva para narrar mitos e celebrar ritos. Criam uma outra instituição social: a religião, dominada por sacerdotes saídos das famílias poderosas e que, por terem a autoridade para se relacionar com o sagrado, tornam-se temidos e venerados pelo restante da sociedade. São um novo poder social. Os vários grupos de famílias dirigentes disputam entre si terras, animais e servos e dão início a uma nova instituição social: a guerra, com a qual os vencidos se tornam escravos dos vencedores, e o poder econômico, social, militar, religioso e político se concentra ainda ma is em poucas mãos. Como escreveu Maquiavel,toda sociedade é constituída pela divisão entre o desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido nem comandado. Com essa descrição, Marx observou que a sociedade nasce pela estruturação de um conjunto de divisões: divisão sexual do trabalho, divisão social do trabalho, divisão social das trocas, divisão social das riquezas, divisão social do poder econômico, divisão social do poder militar, divisão social do poder religioso e divisão social do poder político. Por que divisão? Porque em todas as instituições sociais (família, trabalho, comércio, guerra, religião, política) uma parte detém poder, riqueza, bens, armas, ideias e saberes, terras, trabalhadores, poder político, enquanto outra parte não possui nada disso, estando subjugada à outra, rica, poderosa e instruída. Esse conjunto estruturado de divisões torna-se cada vez mais complexo, intrincado, numeroso, multiplicando-se em muitas outras divisões, sob a forma de numerosas instituições sociais e acabam por revelar a estrutura fundamental das sociedades como divisão social das classes sociais. A esse conjunto (tanto simples quanto complexo) de instituições nascidas da divisão social Marx deu o nome de condições materiais da vida social e política. Por que materiais? Porque se referem ao conjunto de práticas sociais pelas quais os homens garantem sua sobrevivência por meio do trabalho e da troca dos produtos do trabalho, e que constituem a economia. A variação das condições materiais de uma sociedade constitui a História dessa sociedade e Marx as designou como modos de produção. A História é a mudança, passagem ou transformação de um modo de produção para outro. Tal mudança não se realiza por acaso nem por vontade livre dos seres humanos, mas acontece de acordo com condições econômicas, sociais e culturais já estabelecidas, que podem ser alteradas de uma maneira também determinada, graças à práxis humana diante de tais condições dadas. O fato de que a mudança de uma sociedade ou a mudança histórica se faça em condições determinadas, levou Marx a afirmar que: “Os homens fazem a História, mas o fazem em condições determinadas ”, isto é, que não foram escolhidas por eles. Por isso também, ele disse: “Os homens fazem a História, mas não sabem que a fazem”. Estamos, aqui, diante de uma situação coletiva muito parecida com a que encontramos no caso de nossa vida psíquica individual. Assim como julgamos que nossa consciência sabe tudo, pode tudo, faz o que pensa e quer, mas, na realidade, está determinada pelo inconsciente e ignora tal determinação, assim também, na existência social, os seres humanos julgam que sabem o que é a sociedade, dizendo que Deus ou a Natureza ou a Razão a criaram, instituíram a política e a História, e que os homens são seus instrumentos; ou, então, acreditam que fazem o que fazem e pensam o que pensam porque são indivíduos livres, autônomos e com poder para mudar o curso das coisas como e quando quiserem. Por exemplo, quando alguém diz que uma pessoa é pobre porque quer, porque é preguiçosa, ou perdulária, ou ignorante, está imaginando que somos o que somos somente por nossa vontade, como se a organização e a estrutura da sociedade, da economia, da política não tivesse qualquer peso sobre nossas vidas. A mesma coisa acontece quando alguém diz ser pobre “pela vontade de Deus” e não por causa das condições concretas em que vive. Ou quando faz uma afirmação racista, segundo a qual “a Natureza fez alguns superiores e outros inferiores”. A alienação social é o desconhecimento das condições histórico-sociais concretas em que vivemos, produzidas pela ação humana também sob o peso de outras condições históricas anteriores e determinadas. Há uma dupla alienação: por um lado, os homens não se reconhecem como agentes e autores da vida social com suas instituições, mas, por outro lado e ao mesmo tempo, julgam-se indivíduos plenamente livres, capazes de mudar suas vidas individuais como e quando quiserem, apesar das instituições sociais e das condições históricas. No primeiro caso, não percebem que instituem a sociedade; no segundo caso, ignoram que a sociedade instituída determina seus pensamentos e ações.
As três formas da alienação social
Podemos falar em três grandes formas de alienação existentes nas sociedades modernas ou capitalistas: 1. A alienação social, na qual os humanos não se reconhecem como produtores das instituições sociopolíticas e oscilam entre duas atitudes: ou aceitam passivamente tudo o que existe, por ser tido como natural, divino ou racional, ou se rebelam individualmente, julgando que, por sua própria vontade e inteligência, podem mais do que a realidade que os condiciona. Nos dois casos, a sociedade é o outro (alienus), algo externo a nós, separado de nós, diferente de nós e com poder total ou nenhum poder sobre nós. 2. A alienação econômica, na qual os produtores não se reconhecem como produtores, nem se reconhecem nos objetos produzidos por seu trabalho. Em nossas sociedades modernas, a alienação econômica é dupla: Em primeiro lugar, os trabalhadores, como classe social, vendem sua força de trabalho aos proprietários do capital (donos das terras, das indústrias, do comércio, dos bancos, das escolas, dos hospitais, das frotas de automóveis, de ônibus ou de aviões, etc.). Vendendo sua força de trabalho no mercado da compra e venda de trabalho, os trabalhadores são mercadorias e, como toda mercadoria, recebem um preço, isto é, o salário. Entretanto, os trabalhadores não percebem que foram reduzidos à condição de coisas que produzem coisas; não percebem que foram desumanizados e coisificados. Em segundo lugar, os trabalhos produzem alimentos (pelo cultivo da terra e dos animais), objetos de consumo (pela indústria), instrumentos para a produção de outros trabalhos (máquinas), condições para a realização de outros trabalhos (transporte de matérias-primas, de produtos e de trabalhadores). A mercadoria-trabalhador produz mercadorias. Estas, ao deixarem as fazendas, as usinas, as fábricas, os escritórios e entrarem nas lojas, nas feiras, nos supermercados, nos shoppings centers parecem ali estar porque lá foram colocadas (não pensamos no trabalho humano que nelas está cristalizado e não pensamos no trabalho humano realizado para que chegassem até nós) e, como o trabalhador, elas também recebem um preço. O trabalhador olha os preços e sabe que não poderá adquirir quase nada do que está exposto no comércio, mas não lhe passa pela cabeça que foi ele, não enquanto indivíduo e sim como classe social, quem produziu tudo aquilo com seu trabalho e que não pode ter os produtos porque o preço deles é muito mais alto do que o preço dele, trabalhador, isto é, o seu salário. Apesar disso, o trabalhador pode, cheio de orgulho, mostrar aos outros as coisas que ele fabrica, ou, se comerciário, que ele vende, aceitando não possuí-las, como se isso fosse muito justo e natural. As mercadorias deixam de ser percebidas como produtos do trabalho e passam a ser vistas como bens em si e por si mesmas (como a propaganda as mostra e oferece). Na primeira forma de alienação econômica, o trabalhador está separado de seu trabalho – este é alguma coisa que tem um preço; é um outro (alienus), que não o trabalhador. Na segunda forma da alienação econômica, as mercadorias não permitem que o trabalhador se reconheça nelas. Estão separadas dele, são exteriores a ele e podem mais do que ele. As mercadorias são igualmente um outro, que não o trabalhador. 3. A alienação intelectual, resultante da separação social entre trabalho material (que produz mercadorias) e trabalho intelectual (que produz ideias). A divisão social entre as duas modalidades de trabalho leva a crer que o trabalho material é uma tarefa que não exige conhecimentos, mas apenas habilidades manuais, enquanto o trabalho intelectual é responsável exclusivo pelos conhecimentos. Vivendo numa sociedade alienada, os intelectuais também se alienam. Sua alienação é tripla: Primeiro, esquecem ou ignoram que suas ideias estão ligadas às opiniões e pontos de vista da classe a que pertencem, isto é, a classe dominante, e imaginam, ao contrário, que são ideias universais, válidas para todos, em todos os tempos e lugares. Segundo, esquecem ou ignoram que as ideias são produzidas por eles para explicar a realidade e passam a crer que elas se encontram gravadas na própria realidade e que eles apenas as descobrem e descrevem sob a forma de teorias gerais.Terceiro, esquecem ou ignoram a origem social das ideias e seu próprio trabalho para criá-las; acreditam que as ideias existem em si e por si mesmas, criam a realidade e a controlam, dirigem ou dominam. Pouco a pouco, passam a acreditar que as ideias se produzem umas às outras, são causas e efeitos umas das outras e que somos apenas receptáculos delas ou instrumentos delas. As ideias se tornam separadas de seus autores, externas a eles, transcendentes a eles: tornam-se um outro. As três grandes formas da alienação (social, econômica e intelectual) são a causa do surgimento, da implantação e do fortalecimento da ideologia.
A ideologia
A alienação se exprime numa “teoria” do conhecimento espontânea, formando o senso comum da sociedade. Por seu intermédio, são imaginadas explicações e justificativas para a realidade tal como é diretamente percebida e vivida. Um exemplo desse senso comum aparece no caso da “explicação ” da pobreza, em que o pobre é pobre por sua própria culpa (preguiça, ignorância) ou por vontade divina ou por inferioridade natural. Esse senso comum social, na verdade, é o resultado de uma elaboração intelectual sobre a realidade, feita pelos pensadores ou intelectuais da sociedade – sacerdotes, filósofos, cientistas, professores, escritores, jornalistas, artistas -, que descrevem e explicam o mundo a partir do ponto de vista da classe a que pertencem e que é a classe dominante de uma sociedade. Essa elaboração intelectual incorporada pelo senso comum social é a ideologia. Por meio dela, o ponto de vista, as opiniões e as ideias de uma das classes sociais – a dominante e dirigente – tornam-se o ponto de vista e a opinião de todas as classes e de toda a sociedade. A função principal da ideologia é ocultar e dissimular as divisões sociais e políticas, dar-lhes a aparência de indivisão e de diferenças naturais entre os seres humanos. Indivisão: apesar da divisão social das classes, somos levados a crer que somos todos iguais porque participamos da ideia de “humanidade”, ou da ideia de “nação” e “pátria”, ou da ideia de “raça”, etc. Diferenças naturais: somos levados a crer que as desigualdades sociais, econômicas e políticas não são produzidas pela divisão social das classes, mas por diferenças individuais dos talentos e das capacidades, da inteligência, da força de vontade maior ou menor, etc. A produção ideológica da ilusão social tem como finalidade fazer com que todas as classes sociais aceitem as condições em que vivem, julgando-as naturais, normais, corretas, justas, sem pretender transformá-las ou conhecê-las realmente, sem levar em conta que há uma contradição profunda entre as condições reais em que vivemos e as ideias. Por exemplo, a ideologia afirma que somos todos cidadãos e, portanto, temos todos os mesmos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais. No entanto, sabemos que isso não acontece de fato: as crianças de rua não têm direitos; os idosos não têm direitos; os direitos culturais das crianças nas escolas públicas são inferiores aos das crianças que estão em escolas particulares, pois o ensino não é de mesma qualidade em ambas; os negros e índios são discriminados como inferiores; os homossexuais são perseguidos como pervertidos, etc. A maioria, porém, acredita que o fato de ser eleitor, pagar as dívidas e contribuir com os impostos já nos faz cidadãos, sem considerar as condições concretas que fazem alguns serem mais cidadãos do que outros. A função da ideologia é impedir-nos de pensar nessas coisas.
Os procedimentos da ideologia
Como procede a ideologia para obter esse fantástico resultado? Em primeiro lugar, opera por inversão, isto é, coloca os efeitos no lugar das causas e transforma estas últimas em efeitos. Ela opera como o inconsciente: este fabrica imagens e sintomas; aquela fabrica idéias e falsas causalidades. Por exemplo, o senso comum social afirma que a mulher é um ser frágil, sensitivo, intuitivo, feito para as doçuras do lar e da maternidade e que, por isso, foi destinada, por natureza, para a vida doméstica, o cuidado do marido e da família. Assim o “ser feminino” é colocado como causa da “função social feminina”. Ora, historicamente, o que ocorreu foi exatamente o contrário: na divisão sexual social do trabalho e na divisão dos poderes no interior da família, atribuiu-se à mulher um lugar levando-se em conta o lugar masculino; como este era o lugar do domínio, da autoridade e do poder, deu-se à mulher o lugar subordinado e auxiliar, a função complementar e, visto que o número de braços para o trabalho e para a guerra aumentava o poderio do chefe da família e chefe militar, a função reprodutora da mulher tornou-se imprescindível, trazendo como consequência sua designação prioritária para a maternidade. Estabelecidas essas condições sociais, era preciso persuadir as mulheres de que seu lugar e sua função não provinham do modo de organização social, mas da Natureza, e eram excelentes e desejáveis. Para isso, montou-se a ideologia do “ser feminino” e da “função feminina” como naturais e não como históricos e sociais. Como se observa, uma vez implantada uma ideologia, passamos a tomar os efeitos pelas causas. A segunda maneira de operar da ideologia é a produção do imaginário social , através da imaginação reprodutora. Recolhendo as imagens diretas e imediatas da experiência social (isto é, do modo como vivemos as relações sociais), a ideologia as reproduz, mas transformando-as num conjunto coerente, lógico e sistemático de ideias que funcionam em dois registros: como representações da realidade (sistema explicativo ou teórico) e como normas e regras de conduta e comportamento (sistema prescritivo de normas e valores). Representações, normas e valores formam um tecido de imagens que explicam toda a realidade e prescrevem para toda a sociedade o que ela deve e como deve pensar, falar, sentir e agir. A ideologia assegura, a todos, modos de entender a realidade e de se comportar nela ou diante dela, eliminando dúvidas, ansiedades, angústias, admirações, ocultando as contradições da vida social, bem como as contradições entre esta e as ideias que supostamente a explicam e controlam. Enfim, uma terceira maneira de operação da ideologia é o silêncio. Um imaginário social se parece com uma frase onde nem tudo é dito, nem pode ser dito, porque, se tudo fosse dito, a frase perderia a coerência, tornar-se-ia incoerente e contraditória e ninguém acreditaria nela. A coerência e a unidade do imaginário social ou ideologia vêm, portanto, do que é silenciado (e, sob esse aspecto, a ideologia opera exatamente como o inconsciente descrito pela psicanálise). Por exemplo, a ideologia afirma que o adultério é crime (tanto assim que homens que matam suas esposas e os amantes delas são considerados inocentes porque praticaram um ato em nome da honra), que a virgindade feminina é preciosa e que o homossexualismo é uma perversão e uma doença grave (tão grave que, para alguns, Deus resolveu punir os homossexuais enviando a peste, isto é, a AIDS). O que está sendo silenciado pela ideologia? Por que, em nossa sociedade, o vínculo entre sexo e procriação é tão importante (coisa que não acontece em todas as sociedades, mas apenas em algumas, como a nossa)? Nossa sociedade exige a procriação legítima e legal – a que se realiza pelos laços do casamento -, porque ela garante, para a classe dominante, a transmissão do capital aos herdeiros. Assim sendo, o adultério e a perda da virgindade são perigosos para o capital e para a transmissão legal da riqueza; por isso, o adultério se torna crime e a virgindade é valorizada como virtude suprema das mulheres jovens. Em nossa sociedade, a reprodução da força de trabalho se faz pelo aumento do número de trabalhadores e, portanto, a procriação é considerada fundamental para o aumento do capital que precisa da mão-de-obra. Por esse motivo, toda sexualidade que não se realizar com finalidade reprodutiva será considerada anormal, perversa e doentia, donde a condenação do homossexualismo. A ideologia, porém, perderia sua força e coerência se dissesse essas coisas e por isso as silencia.
Ideologia e inconsciente
Dissemos que a ideologia se assemelha ao inconsciente freudiano. Há, pelo menos, três semelhanças principais entre eles: 1. o fato de que adotamos crenças, opiniões, ideias sem saber de onde vieram, sem pensar em suas causas e motivos, sem avaliar se são ou não coerentes e verdadeiras;2. ideologia e inconsciente operam através do imaginário (as representações e regras saídas da experiência imediata) e do silêncio, realizando-se indiretamente perante a consciência. Falamos, agimos, pensamos, temos comportamentos e práticas que nos parecem perfeitamente naturais e racionais porque a sociedade os repete, os aceita, os incute em nós pela família, pela escola, pelos livros, pelos meios de comunicação, pelas relações de trabalho, pelas práticas políticas. Um véu de imagens estabelecidas interpõe-se entre nossa consciência e a realidade; 3. inconsciente e ideologia não são deliberações voluntárias. O inconsciente precisa de imagens, substitutos, sonhos, lapsos, atos falhos, sintomas, sublimação para manifestar-se e, ao mesmo tempo, esconder-se da consciência. A ideologia precisa das idéias-imagens, da inversão de causas e efeitos, do silêncio para manifestar os interesses da classe dominante e escondê-los como interesse de uma única classe social. A ideologia não é o resultado de uma vontade deliberada de uma classe social para enganar a sociedade, mas é o efeito necessário da existência social da exploração e dominação, é a interpretação imaginária da sociedade do ponto de vista de uma única classe social.
Erguendo o véu, tirando a máscara
Diante do poder do inconsciente e da ideologia poderíamos ser levados a “entregar os pontos”, dizendo: Para que tanto esforço na teoria do conhecimento, se, afinal, tudo é ilusão, véu e máscara? Para que compreender a atividade da consciência, se ela é a “pobre coitada”, espremida entre o id e o superego, esmagada entre a classe dominante e os ideólogos? Todavia, uma pergunta também é possível: Como, sendo a consciência tão frágil, o inconsciente e a ideologia tão poderosos, Freud e Marx chegaram a conhecê-los, explicar seus modos de funcionamento e suas finalidades? No caso de Freud, foram a prática médica e a busca de uma técnica terapêutica para indivíduos que permitiram a descoberta do inconsciente e o trabalho teórico de onde nasceu a psicanálise. No caso de Marx, foi a decisão de compreender a realidade a partir da prática política de uma classe social (os trabalhadores) que permitiu a percepção dos mecanismos de dominação e exploração sociais, de onde surgiu a formulação teórica da ideologia. A busca da cura dos sofrimentos psíquicos, em Freud, e a luta pela emancipação dos explorados, em Marx, criaram condições para uma tomada de consciência pela qual o sujeito do conhecimento pôde recomeçar a crítica das ilusões e dos preconceitos que iniciara desde a Grécia, mas, agora, como crítica de suas próprias ilusões e preconceitos. Em lugar de invalidar a razão, a reflexão, o pensamento e a busca da verdade, as descobertas do inconsciente e da ideologia fizeram o sujeito do conhecimento conhecer as condições – psíquicas, sociais, históricas – nas quais o conhecimento e o pensamento se realizam. Como disseram os filósofos existencialistas acerca dessas descobertas: Encarnaram o sujeito num corpo vivido real e numa história coletiva real, situaram o sujeito. Desvendando os obstáculos psíquicos e histórico-sociais para o conhecimento, puseram em primeiro plano as relações entre pensar e agir, ou, como se costuma dizer, entre a teoria e a prática.
QUESTÕES
1.Por que a descoberta freudiana do inconsciente foi mais uma ferida no narcisismo ocidental? 2. Como Freud chegou ao conceito de inconsciente? Como ele descreve a estrutura e o funcionamento da vida psíquica? 3.Por que o ego (ou consciência) é um pobre coitado? 4.Como opera o inconsciente(id e superego)?Qual a função dos sonhos, dos sintomas e da sublimação? 5. Diante do poder do inconsciente, Freud defendeu a força do pensamento. Por que? 6. O que é alienação religiosa? E alienação geral? 7. Qual o interesse de Marx pela alienação social? Como ele a compreendeu? 8. Por que a afirmação “”os homens fazem a História, mas não sabem que a fazem” é semelhante à descoberta freudiana do inconsciente? Quais as semelhanças entre ideologia e inconsciente? 9. O que é ideologia? Como ela surge?Quais suas funções? Por que é ilusão social? 10. As descobertas de Marx e Freud invalidam o trabalho consciente do pensamento?Justifique.